sexta-feira, 29 de março de 2013

Um Brasil e Argentina musical e virtual

Victor Biglione duela com brasileiro em novo game que usa guitarra de verdade

Na vida real, o argentino-carioca Victor Biglione (ele nasceu em Buenos Aires, mas vive há quase 50 anos no Brasil) é um herói da guitarra. No mundo virtual, porém, se mostrou pouco à vontade com as seis cordas em uma divertida partida do game musical Rocksmith, um novo joguinho que, ao contrário do badalado Rock Band, joga-se com uma guitarra de verdade, e não com um controle na forma do instrumento.

Mesmo vestido a caráter para uma disputa, com a camisa de seu time, o argentino San Lorenzo (o mesmo do Papa Francisco), Biglione não fez frente ao brasileiro Eduardo Kazan, vocalista da banda niteroiense Pé D’Orelha (www.pedorelha.com.br) e guitarrista eventual. Longe de ser um virtuoso como seu oponente portenho, no entanto, Kazan sagrou-se campeão neste Brasil e Argentina virtual.

“Não entendo nada de games, entendo de guitarras. Estou com um medo danado de me ferrar, logo eu, um guitarrista experiente”, comenta Biglione antes de tomar contato com o Rocksmith, já prevendo a derrota.

O jogo vem fazendo a cabeça de instrumentistas e apaixonados por música, que torciam o nariz para o que chamam de “guitarrinha mentirosa do Rock Band”. “O legal é que você pode pegar sua guitarra Gibson feita nos anos 60, plugar em seu Playstation, por exemplo, e jogar com ela”, ressalta Kazan, enquanto acumula pontos tocando as notas certas de um solo original de Stevie Ray Vaughan. “Quando se faz 70 mil pontos, você tem direito a amplificadores e efeitos melhores”, explica as regras a um frustrado Biglione, que mal chegou aos mil pontos.

Professor de música, o argentino faz sua avaliação da experiência guitarrística no mundo virtual. “Culturalmente, o jogo é importante. Didaticamente, é péssimo, porque isso de ter que tocar o solo igualzinho à gravação tira a personalidade do instrumentista. Mas qualquer coisa a favor da música é válida”, pondera. LSM (Foto: Alexandre Brum)

quarta-feira, 20 de março de 2013

As revelações de Marlene

Aos 90 anos, a testemunha viva da nossa Era do Rádio está cheia de vida e conta como é seu dia a dia

Nosso fotógrafo está frustrado. “Marlene, me perdoe, vou precisar sair antes do fim da entrevista porque ainda preciso fazer uma outra foto, do grupo Revelação, que não sei se a senhora conhece”, desculpa-se. A eterna Rainha do Rádio arregala os olhos, como se fosse lhe puxar a orelha. “Claro que eu conheço o Revelação! Eu sou antenada!”, dispara.

Aos 90 anos, Victoria de Martino Bonaiute, a lendária cantora e atriz Marlene, que acaba de ganhar a biografia ‘A Incomparável’, nos recebeu em seu apartamento, na rua Siqueira Campos, em Copacabana. Encontramos uma senhora cheia de vida e muito divertida, e o papo foi repleto de nostalgia.

“Tenho muitas saudades de tudo o que vivi. Foram muitos anos de trabalho, mas minha perna esquerda me obrigou a adiantar meu descanso. Levei um tombo, quebrei o fêmur e sei lá mais o quê”, resigna-se a diva.

Ela mora apenas com o papagaio Rivelino (“Ele é muito afinado, parece um verdadeiro cantor”), companheiro há 40 anos, e tem a atenção diária da cuidadora Maria e do filho Sérgio Henrique, 59. “Ele é mais que um filho, é um amigo”, elogia.

Essa aproximação dos dois, Sérgio revela, nem sempre foi assim. No auge da fama dela, ele preferiu se afastar do mito que se tornou sua mãe Victoria.

“Ela sempre foi uma mulher à frente de seu tempo, e as pessoas não entendiam, tinham preconceito. Na escola, tudo de errado que acontecia, sempre apontavam para mim: ‘Só pode ser coisa do filho da Marlene’. Me afastei da artista para ter minha identidade própria, para ser o Sérgio, e não ‘o filho da Marlene’. Só contei isso a ela faz pouco tempo”, relata.

Agora, o passatempo preferido dos dois é escutar os CDs que ele grava para ela, coletâneas de canções de diversas épocas que Marlene gosta de ouvir e cantar junto. Ele coloca um para tocar enquanto conversamos. Abre com o sucesso italiano ‘Come Prima’, na interpretação da própria Marlene. “Eu cantei em várias línguas”, destaca, orgulhosa. “Ouço música o dia inteiro. Canto para mim mesma, coisas de tudo quanto é ritmo, até as novidades”.

Marlene também gosta de ver televisão e ler a Bíblia. “Sou evangélica, esse é o meu livro predileto”, faz questão de ressaltar.

Do CD, ouvimos a voz do cantor francês Charles Aznavour. “Ah, esse aí foi um grande amigo. Nunca esqueço o coquetel que dei para ele na minha casa. Ele foi no Olympia, quando cantei em Paris com a Edith Piaf. Ficou na primeira fila. Nossa, como era simpático”, suspira, o olhar longe, talvez na Era do Rádio, da qual ela é das poucas testemunhas vivas. Talvez a mais importante entre todas. “Corri o mundo com a música. Mas a música é em segundo lugar. Em primeiro, vem o amor”, ensina. LSM (fotos André Luiz Mello)

segunda-feira, 18 de março de 2013

Proibidão

Como é o lendário álbum inédito de Cássia Eller com o guitarrista Victor Biglione: gravadora fala de entendimento com a família da cantora para lançamento do material


Pairam, silenciosas, na casa do guitarrista argentino-carioca Victor Biglione, na Lagoa, um punhado de gravações inéditas de Cássia Eller. A cantora, que morreu de enfarte aos 39 anos, em 29 de dezembro de 2001, no auge da carreira, deixou para o futuro um incrível álbum repleto de interpretações matadoras para clássicos do blues e do rock internacional concebido e produzido por Biglione.

Em sua casa, começamos a falar do lançamento de seu novo CD, ‘The Gentle Rain’ (leia mais abaixo). No entanto, duas doses de gin depois, o papo descamba para o tal “disco perdido”, e ele presenteia nossa equipe com uma audição exclusiva do álbum. Até hoje, não se sabe que destino terão essas gravações, realizadas há 21 anos.

Ele aperta o play e a primeira faixa que salta é ‘Got To Get You Into My Life’, dos Beatles. O arranjo, mais suingado, lembra o que o grupo de disco music Earth, Wind & Fire fez em 1978. Porém, o vocal rasgado de Cássia Eller arrepia ainda mais, acredite.

“O filho da Cássia acha que ela cantou mal nesse disco. Prefere que ela fique conhecida só pelas músicas do cara do Titãs”, provoca Biglione, referindo-se a Nando Reis, de quem a cantora gravou diversas canções. “Muita gente acha que esse disco foi gravado ao vivo, porque eu e a Cássia fizemos shows com esse repertório. Mas é um álbum de estúdio, bancado pela gravadora dela, a Universal. Toquei guitarras e violões e reuni os melhores músicos possíveis para acompanhá-la, como Serginho Trombone e o baixista Nico Assumpção, que já morreu. Isso não pode ser omitido do público, mas eu estou terminantemente proibido pela família dela de fazer qualquer coisa com esse material”, Biglione.

Há quem afirme que a própria Cássia não teria gostado do resultado. O guitarrista discorda (“Ela adorava a gravação”, garante), mas a Universal, através de sua assessora de imprensa Alice Soares, acena com um possível final feliz para o imbróglio. “Temos conversado bastante com a família da Cássia Eller sobre o material inédito dela com o Victor Biglione. Como sempre acontece, na hora certa, teremos um lindo projeto para saciar as nossas saudades da cantora”, promete.


TOM JOBIM E CHARLIE PARKER
As faixas do CD ‘The Gentle Rain’ foram registradas em shows que o guitarrista fez entre 2000 e 2010 em palcos cariocas. “Sempre gostei de registrar as minhas apresentações e achei esses takes tão bons que fiquei com vontade de fazer eles chegarem ao público”, comenta. “Estou em um momento feliz, apaixonado pela vida e pela música, achando que é uma honra enorme homenagear Luiz Bonfá, que anda um pouco esquecido”, diz o estrangeiro que mais contribuiu em gravações e shows da música brasileira — apesar de ter nascido na Argentina, ele mora no Rio há meio século.

O repertório traz ainda interpretações para canções de Tom Jobim (‘Wave’, ‘Por Causa de Você’ e ‘Eu Sei Que Vou Te Amar’) e de Charlie Parker (‘Au Privave’), além do clássico ‘Take Five’, eternizado pelo recém falecido Dave Brubeck. LSM

terça-feira, 5 de março de 2013

Garota de Ipanema cai no funk

Adriana Calcanhotto idealiza show com a obra de Vinicius de Moraes embalada pelo batidão para celebrar o centenário do poeta

A garota de Ipanema vai descer até o chão. Era para falar do mais recente lançamento de sua personagem Partimpim, o CD ‘Tlês’, mas Adriana Calcanhotto acabou antecipando em primeira mão um projeto que idealizou para celebrar o centenário de nascimento de Vinicius de Moraes (1913-1980): verter para o funk a obra do poeta, compositor, jornalista e diplomata. Para cuidar do batidão, a cantora foi pedir ajuda de um novo amigo que entende do riscado, o DJ Sany Pitbull.

“Fizemos uma reunião sobre isso e surgiram mil afinidades entre nós. Eu ainda não o conhecia pessoalmente, só de ouvir falar, e da experiência que ele tem no funk”, conta Adriana, no final de uma apresentação intimista para divulgar o novo disco infantil. “Ainda estou bem envolvida com o disco da Partimpim. Neste primeiro semestre vou sair em turnê, e isso do Vinicius em funk seria algo para depois. Mas teria que ser ainda em 2013, para coincidir com o centenário. Será um prazer mexer com esses elementos junto do Sany. Mas não penso em ser só eu e ele no palco. Seria eu cantando com a minha banda e as batidas dele”, adianta.

Pitbull também se entusiasma com a ideia, e já prepara as carrapetas para embalar as criações do saudoso parceiro de Tom Jobim, Baden Powell e Toquinho. “A Adriana acredita que o Vinicius era um cara tão à frente de seu tempo que, se estivesse vivo, estaria fazendo letras para funkeiros”, comenta o DJ.


Adriana Calcanhotto completa: “Eu vejo isso tranquilamente. Assim como não existiria Madonna sem Carmen Miranda, também acho que não existiria o funk sem Vinicius de Moraes. Para mim, ele é o criador do gênero”, decreta. “Acho óbvio pensar assim. O Vinicius fez a Bossa Nova e depois largou, aí entrou e saiu do samba, enfim, ele estava sempre indo em direção a novos caminhos”.

A cantora elege ainda o poeta, que compôs uma série de inesquecíveis canções para crianças no projeto ‘Arca de Noé’, como uma das principais inspirações para a sua Partimpim. “Quando lembro do centenário e olho para trás, percebo quantas gerações de artistas beberam na ‘Arca’. Incluindo eu, claro, que me formei musicalmente ouvindo aquela obra. O Vinicius escreveu coisas para crianças do mesmo padrão das que fez para adultos”, compara. LSM (Fotos: Felipe O’Neill) 

domingo, 3 de março de 2013

90 anos de majestade

As nove décadas de vida da cantora e atriz Marlene, 
a Rainha do Rádio, são detalhadas na biografia 
A Incomparável

Victoria de Martino Bonaiute é o nome de batismo, mas o Brasil inteiro a conheceu gritando o nome que a consagrou: Marlene, acrescido do adjetivo ‘incomparável’. “Não sei se foi por causa da atriz de cinema, porque eu não conhecia a Marlene Dietrich, nem sabia, nem ia ao cinema. Mas gostei”, recorda a cantora no livro ‘A Incomparável’ (ed. Imprensa Oficial, 264 págs., R$ 30), sua biografia, escrita pela jornalista Diana Aragão.

A autora conta que a missão de resgatar tais memórias com a artista não foi nada fácil. Foram vários encontros, iniciados em outubro de 2009 em seu amplo apartamento de Copacabana, trocado depois por um menor, no mesmo bairro.

“Ela completou 90 anos em 2012 e nessa idade a pessoa costuma se perder um pouco, o que foi agravado com a mudança de casa. Ela começou a misturar coisas, como dizer que lançou o Milton Nascimento, quando na verdade quem ela realmente lançou foi o Gonzaguinha”, descreve Diana, que, ainda assim, conseguiu reconstruir minuciosamente a trajetória de Marlene.

Claro que as polêmicas com a rival Emilinha Borba, que perdeu para Marlene o concurso de Rainha do Rádio em 1949, também estão no livro.

“A Emilinha ficou com ódio da derrota, mas com o tempo isso se ameniza. Elas não ficaram amigas íntimas, nunca ficaram, mas se falavam”, explica Diana.

Artista completa, Marlene não se limitou ao canto, mas também foi atriz, e atuou na televisão, no cinema e no teatro.

“Ela foi a primeira brasileira a cantar no Olympia, de Paris, convidada por Edith Piaf, que se encantou por ela. Além disso, também foi compositora, e isso nunca foi muito falado”, ressalta a autora.

“Ela ficou rica com a profissão. Não entendi por que teve que mudar para um apartamento menor. Ela só tem um filho, que adonou-se dela. Hoje, mora sozinha com cuidadores. Mas essas são questões familiares que não me cabe julgar”. LSM

TRECHO DO LIVRO ‘MARLENE, 
A INCOMPARÁVEL’
“Eu lutei muito, sofri muito. Eu acho que todo mundo sofre quando quer chegar a um ponto. Eu não sabia a que ponto chegaria, mas fazia aquilo entrar no meu coração, e Deus me ajudou sempre, me encaminhou pela vida afora. São 70 anos de profissão, e eu fico orgulhosa com o que consegui. Porque o que eu mais queria conseguir, eu acho que consegui, mas não era essa intenção minha não, eu queria alegrar todo mundo, (...) a vida sem alegria não vale nada, absolutamente nada. (...) E estou feliz hoje porque gosto muito de gente, mas é muito mesmo, quando eu estou sozinha eu choro, não gosto de ficar sozinha. E consegui a amizade de todos os meus fãs, eu acho, então é isso que me faz feliz hoje”.