quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Ainda selvagens?

Às vésperas de voltarem ao Circo Voador para resgatar o repertório de seu disco mais clássico, músicos do Paralamas do Sucesso garantem que continuam ferozes e furiosos

Já se passaram mais de 25 anos desde o lançamento do clássico ‘Selvagem?’, do Paralamas do Sucesso, em abril de 1986, apontado por muitos como o auge de criatividade do grupo. Os músicos — que enfileiram na íntegra o repertório do álbum, sábado, em show que promete ser histórico, no Circo Voador — garantem que ainda fazem justiça ao nome do emblemático disco.

“Tem que ver meu lado selvagem! Ele aflora na hora que tenho que colocar meu filho Vicente, de 8 anos, para dormir. É dos piores momentos do dia”, diverte-se o baterista João Barone.

O baixista Bi Ribeiro, pai de Teresa (10) e Tito (7), faz coro com a selvageria do colega. “Pô, eles resistem até o último minuto”, reclama.

Herbert Vianna, que também tem seus pimpolhos — Luca (18), Hope Izabel (15) e Phoebe Rita (12) —, prefere destilar seu lado feroz na língua afiada, a mesma que disparou alguns dos versos mais marcantes do disco, como “A polícia apresenta suas armas...”, de ‘Selvagem’, ou “A cidade, que tem braços abertos num cartão-postal, com os punhos fechados da vida real”, de ‘Alagados’. “Tenho um ponto de interrogação sobre as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora). Penso que algo mais produtivo seria investir na educação. Em 99,9% dos casos, as UPPs são como uma blitz eficaz: resolve pontualmente, mas logo tudo volta a ser a mesma coisa”, compara o guitarrista.

Quem levou uma blitz, mas não da polícia, foi o próprio grupo, na época do lançamento de ‘Selvagem?’. Com suas influências de reggae, ritmos latinos e até um cover de Tim Maia, o álbum levou uma dura até de colegas do Barão Vermelho e Titãs, que decretaram que o Paralamas não era mais uma banda de rock. “Acho normal. A gente teria a mesma reação se aparecesse outro grupo fazendo um som que excluísse e minimizasse o potencial do que a maioria das bandas estava fazendo”, reavalia Herbert Vianna.

A NOVELA DA VIZINHA
A primeira parte do show de amanhã vai destacar o álbum ‘Selvagem?’. No final, claro, o grupo faz o baile com outros sucessos da carreira. “Tivemos que ouvir o disco todo de novo, porque vamos tocar os arranjos iguaizinhos aos originais”, descreve Bi Ribeiro. “Para isso, vamos contar também com o teclado do João Fera, a percussão de James Muller e a guitarra e efeitos do Liminha, que foi o produtor do disco, em 1986”.

Os ensaios estão rolando no novíssimo estúdio do trio, instalado no primeiro andar do prédio onde João Barone mora, no Jardim Botânico. Os vizinhos, garante o baterista, estão adorando a sonzeira. No entanto, foi só o grupo dar mole com a porta aberta para uma senhora, moradora do apartamento ao lado, aparecer: “Dá para tocar mais baixo que eu quero ver a novela?”. É, os caras continuam selvagens mesmo!


O CARA DA CAPA
Os ensaios para a gravação de ‘Selvagem?’, em 1986, aconteciam em um quarto na casa da avó de Bi Ribeiro, em Copacabana. Na parede, tinha uma foto pendurada, de um garoto magricelo e cabeludão, segurando um arco e flecha, com uma camiseta amarrada na cintura, na frente de uma barraca de camping.

O “modelo” era Pedro Ribeiro, irmão do baixista Bi, e que hoje trabalha como produtor técnico da banda, e a imagem, que traduz de forma perfeita o título do disco, acabou estampando a capa.

“Quem tirou a foto foi o Dado Villa-Lobos (guitarrista da Legião Urbana). Lembro que foi tirada no dia 7 de setembro de 1980. A gente acampava muito naquele terreno, que era do meu pai, em Brasília. Até hoje, as pessoas comentam comigo sobre esta capa. Foi um momento especial da minha vida”, conta Pedro Ribeiro.

BROWN PARALAMA
Quis o destino que o Paralamas do Sucesso não virasse uma banda de axé. Depois da primeira edição do Rock In Rio, em 1985, aconteceu de o grupo subir em um trio elétrico em Salvador e, influenciados que estavam pelos balanços dos dançantes ritmos latinos, caíram no rebolado do cantor Luiz Caldas, que bombava Brasil afora com a música ‘Fricote’ (aquela da letra “Nega do cabelo duro, que não gosta de pentear...”).

Acompanhando Caldas, na percussão, um músico muito animado chamou a atenção do trio e quase acabou sendo recrutado para gravar no disco ‘Selvagem?’. “Foi no Carnaval de 1985 que conhecemos o Carlinhos Brown”, recorda Bi Ribeiro. “A gente deu uma canja naquele trio elétrico e ali testemunhamos o nascimento do axé”.

Em 1986, Brown veio para o Rio de Janeiro encontrar com Herbert, Bi e Barone, que cogitavam acrescentar um percussionista em sua formação — quem acabou gravando em ‘Selvagem?’ com a banda foi Armando Marçal. Brown, porém, ficou amigo do grupo e, futuramente, trabalharia bastante com eles.

“Ele já era assim como o conhecemos hoje: um cara ligado em 220 volts. Acabou que não foi naquele momento que gravamos com ele, mas ele chegou a ir nos ensaios do ‘Selvagem?’, isso bem antes de tocar na banda do Caetano Veloso”, conta Ribeiro. LSM (foto: Felipe O`Neill)

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

De volta para o futuro

Lincoln Olivetti retorna à cena em show e novos lançamentos

Instrumentista, arranjador, compositor e produtor, Lincoln Olivetti é chamado de ‘o feiticeiro dos estúdios’ e ‘o mago do pop’. Aos 57 anos, ele tem cara mesmo é de cientista louco, misto de Professor Ludovico com Dr. Emmett Brown (personagem do ator Christopher Lloyd em ‘De Volta Para o Futuro’).

“Sempre estive à frente do meu tempo. Adoro música eletrônica e minha filha é ‘a’ DJ, não é verdade?”, decreta o pai coruja da badalada Mary Olivetti, no corredor do estúdio em Botafogo, onde ensaia uma volta solo aos palcos, em raríssima aparição, hoje, no Copacabana Palace. “Também sei tudo de eletrônica. Adoro quando queima algum equipamento!”, conta o músico, todo futurista.


Durante a carreira, a fama de gênio de Lincoln Olivetti cresceu junto com a de excêntrico, por gostar de passar dias trancado em seu estúdio, uma salinha quase sem iluminação, e por ser arredio a entrevistas. “Meu filho, quanto mais se vê, menos se ouve”, define o veterano. “Pode tirar onda, porque essa é a primeira entrevista que dou para um jornal”, valoriza.

A implicância com as reportagens, ele explica, vem das críticas de que seria responsável por uma padronização sonora da MPB — Gal Costa, Gilberto Gil, Tim Maia, Jorge Ben Jor, Rita Lee, Roberto Carlos, Caetano Veloso, Maria Bethânia, Angela Ro Ro, Zizi Possi, Fagner, Lulu Santos, Wando e muitos, muitos outros mesmo, já foram produzidos ou arranjados por Lincoln Olivetti.

“Fiquei marginalizado. Nunca quis responder aos críticos, que foram muito pejorativos. Disse apenas: vocês vão se f* e eu vou pra p.q.p., daí todos ficam felizes”, diverte-se.

Entre risos, as lembranças (“Tim Maia me passava os arranjos dele, eu mudava tudo e ele nunca percebia”) só são interrompidas para matar a larica: “Preciso de uma pizza, sem cebola! Esse negócio de entrevista dá muita fome!”, conclui, reconhecendo que o papo deu a maior onda.

DO COPA FEST À INTERNET
No show hoje, dentro da programação do evento CopaFest, Lincoln Olivetti vai tocar seu clássico disco com Robson Jorge e fazer uma homenagem ao lendário Ed Lincoln, à frente de Kassin (baixo), Davi Moraes (guitarra), Donatinho (teclado), Cesinha (bateria), José Carlos Bigorna (sax), Lelei Gracindo (sax), Altair Martins (trompete), Diogo Gomes (trompete), Peninha (percussão) e Marlon Sette (trombone), entre outros.


Fora do palco, Lincoln Olivetti anuncia novos lançamentos para este ano. “Resolvi soltar tudo que venho compondo ao longo do tempo, mas vou vender só pela Internet”, anuncia, sempre antenado. LSM (fotos: Luiz Lima)