sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

O poeta está vivo

Ao ouvir a voz de Cazuza cantando ‘Exagerado’, purinha, sem acompanhamento algum, saindo das caixas de som de um estúdio no Jardim Botânico, todos os presentes — até mesmo os mais acostumados com tal experiência — quase deixam escorrer lágrimas.

“A força está ali: essa coisa do registro da voz do cantor é uma captura da alma, da própria essência do cara”, classifica Guto Goffi, baterista do Barão Vermelho, banda que dividiu com Cazuza nos anos 80. “Só a voz dele, sem a imagem, a emoção já vem com tudo... imagina com a imagem!”

Ele fala da aparição do ídolo, cantando cinco músicas em holografia, no ponto alto do show que amigos e parceiros do poeta do rock preparam para apresentar na Praia de Ipanema na noite deste domingo, no palco montado em frente à Rua Paul Redfern. Acompanhamos um ensaio para o ‘GVT Music — Show Cazuza’, que já passou por São Paulo no final de novembro e agora aporta no Rio, em apresentação gratuita e aberta ao público.

No estúdio, além de Guto Goffi, os chapas George Israel, Arnaldo Brandão, Leoni, Rogério Meanda e Nilo Romero discutem os últimos detalhes dos arranjos, que precisam estar supersincronizados com a gravação da voz do cantor — o badalado holograma só aparece na hora.


“Não tem uma pessoa que nunca tenha ouvido falar do Cazuza ou não conheça alguma música”, ressalta George Israel, integrante do Kid Abelha e coautor, com Cazuza e Nilo Romero, do sucesso ‘Brasil’, eternizado na voz de Gal Costa (que participa do espetáculo em Ipanema, assim como o ex-RPM Paulo Ricardo). “Nós, da banda, não vemos o holograma do palco, porque ficamos de costas para ele. Mas, em São Paulo, a cara das pessoas na plateia chorando quando ele aparece foi muito emocionante.”

Antigo parceiro de Israel no Kid Abelha, Leoni é dos poucos que conseguem dar uma espiadinha na novidade. “É que tem uma música que eu não toco, aí dá para relaxar e ficar olhando. A criação da holografia foi baseada em fotos e vídeos de arquivo dele. Eu, que conheci bem o Cazuza pessoalmente, posso garantir: é exatamente como ele se mexia, os mesmos trejeitos que fazia nos shows”, atesta o artista, que compôs ‘Exagerado’ ao lado de Cazuza e Ezequiel Neves.

Os músicos-amigos celebram ainda a oportunidade de fazer com que novas gerações possam ter uma experiência próxima da energia que havia em um show de Cazuza. “Muita gente não teve o prazer de vê-lo ao vivo. Em São Paulo, eu estava muito temeroso com a reação do público, que acabou sendo incrível. Agora para o Rio eu já relaxei, quero ir lá e tocar!”, entusiasma-se Guto Goffi.

Emoção é uma palavra que resume bem este projeto. “Fiquei com uma saudade imensa dos velhos tempos do Barão Vermelho”, derrete-se o baterista. “Esse é um projeto muito inovador, porque, quando a pessoa morre, acabou, não tem jeito de negociar. E de repente o Cazuza vai participar de um show com a gente, cantando várias músicas. Então, nesse caso, não acabou!”

E, quem sabe, depois do show, não valha dar uma passadinha no Baixo Leblon? Vai que o poeta do rock esteja por ali, como fez tantas vezes em sua vida breve, cantando e bebendo a saideira? LSM (foto: Paulo Almeida)

domingo, 5 de janeiro de 2014

Metaleiras

Com metais em brasa e percussão pulsante, a Damas de Ferro, banda de fanfarra formada só por mulheres, se prepara para estrear no Carnaval 2014 

‘É fanfarra, mas sem fanfarrões!”, decretam, quase em uníssono, as integrantes da Damas de Ferro, orgulhosas ao se proclamarem a primeira banda carioca de fanfarra (grupo musical formado por instrumentos de sopro de metal e de percussão) só de mulheres. “Os meninos estão doidos, querem participar da banda, mas só se for vestido de mulher!”, diverte-se a trombonista Carol Schavarosk.


Elas integram o que chamam de neo-fanfarrismo carioca, uma espécie de movimento no qual destacam-se também grupos como Orquestra Voadora (boa parte das meninas da Damas de Ferro veio do bloco da OV), Os Siderais, Sinfônica Ambulante, Cinebloco e Go East Orkestar. Ao som de trompetes, trombones, saxofones, tubas, caixas e alfaias, e repertório eclético, que inclui versões para clássicos de Belchior (‘Velha Roupa Colorida’) a sucessos da vez como ‘Get Lucky’, do Daft Punk, elas se preparam para estrear no Carnaval de 2014.

“Já estamos chamando a atenção nos ensaios abertos que fazemos no MAM (Museu de Arte Moderna) ou no Parque Guinle. Porque não é comum, a mulher está inserida no mundo da música mais como cantora do que como instrumentista. Você não vê muitas mulheres tocando tuba, por exemplo. A Damas de Ferro vai ter esse charme a mais”, ressalta Carol.

A busca pelas instrumentistas foi uma saga. “No início, achei que não iria além de um quarteto, até que, pouco a pouco, começamos a encontrar outras meninas que tocavam sopros ou percussão”, comemora Bubu Gabi Góes, que toca surdo e também é produtora cultural.

Todas, aliás, têm outra atividade além da música. E dão seu jeito para espremer no tempo livre a Damas de Ferro e ainda a família e namoros. Mas, às vezes, rola estresse. “Meu marido reclama muito que não tenho tempo para nada. Tento conciliar os ensaios com os dias das reuniões dele”, conta a trompetista (e bióloga) Maysa Salles.

Mas elas estão entusiasmadas. E, mesmo com tantas mulheres tocando juntas, juram que não temem a eclosão de uma TPM coletiva. “Mesmo na TPM, a gente está pegando leve, porque estamos com muita vontade de apresentar esta banda”, entusiasma-se Sabrina Bairros, saxofonista e publicitária.

A trompetista (e designer) Marcela de Paula, porém, faz uma ressalva: “Ah, só não pode uma aparecer com a saia igual à da outra!”, diverte-se.

E para lidar com o assédio da rapaziada animada no Carnaval, como vai ser? “Sempre vai ter um para soltar uma piadinha. Já ouvi: ‘Tá sobrando mulher aí, passa uma pra mim!’ Olha, se a cantada for original, até que pode ter chance”, provoca Irene Milhomens, trombonista e bailarina.

Contar apenas com mulheres na escalação, acreditam as integrantes da Damas de Ferro, tem ainda uma outra vantagem: “Na hora de passar o chapéu, só com meninas, esperamos que as pessoas se entusiasmem mais a dar um dinheiro”, brinca Sabrina, ao que Thaís Bezerra, tocadora de caixa, completa: “Mas o apelo não pode ser só por sermos mulheres... Tem que ter qualidade!”, decreta. LSM (fotos Fernando Souza)