quinta-feira, 17 de julho de 2014

Malandragem pra inglês ver

Filho de Bezerra da Silva, Ulisses trilha sua carreira artística em Londres e lança o primeiro disco por selo britânico especializado em música brasileira

Bezerra da Silva (1927-2005) ficou conhecido por cantar o cotidiano das favelas, a malandragem e o uso de drogas como a maconha — quem não conhece o clássico refrão “vou apertar, mas não vou acender agora”? “Mas ele nunca gostou de drogas”, esclarece Ulisses Bezerra da Silva, filho do sambista, que está baseado em Londres e acaba de estrear em disco.

“Meu pai teve experiências ruins com drogas. Quando fumou maconha, deu uma larica (a fome causada pelo uso da erva) e, se você for pobre sem ter o que comer, não é uma combinação muito boa!”, diverte-se.

Morando na capital da Inglaterra desde 2005, logo depois da morte do pai, Ulisses Bezerra, 39 anos, lança na internet ‘2000 e Nem Sei’ pela Far Out Records, gravadora britânica especializada em artistas brasileiros, como Banda Black Rio, Joyce, Azimuth, Leila Pinheiro e Dori Caymmi.

“Meu pai falava que eu era um rockeiro-sambista, com base no samba e o punho no rock. Acho até que foi isso que me levou ao meu estilo musical de hoje, o samba-rock”, define Ulisses, que se lembra de quando Bezerra foi entrevistado por João Gordo e disse para ele: “Você tem o visual igual ao do meu filho. Ele tem uma banda de rock chamada Filhos do Papa e anda todo rasgado.” “Ele era sambista, mas respeitava todos os estilos e sempre apoiou o que eu fazia”, diz.

‘2000 e Nem Sei’ traz oito músicas de autoria de Ulisses, duas de Mazinho e guitarras de Dino Lazer, que eram integrantes do Filhos do Papa, a banda de rock na qual ele cantava no Brasil. “O show de lançamento foi no Somerset House, lugar onde já tocaram Amy Winehouse e Rolling Stones”, conta Ulisses. “A minha carreira está muito bem. Já participei de shows com artistas como Manu Chao, Marcelo D2, Beth Carvalho, Frejat, Max de Castro, Wilson Simoninha e Jairzinho. A cena musical em Londres é muito boa. Tem um movimento underground bastante forte, onde os artistas podem trabalhar sua carreira, com muitos lugares para tocar com uma estrutura de palco boa.”

Antes de Londres, Ulisses morou nos Estados Unidos. “Fui em uma turnê com meu pai, em 1994, e, quando acabou, fui para Boston, convidado por um amigo pra tocar em uma banda de samba. Nesse período, resolvi ir estudar na escola de música Berklee, onde fiz grandes amizades. Voltei para o Brasil em 2002 e fiquei tocando com meu pai, até que ele morreu, em 2005. Foi quando eu resolvi ir para Londres”, relembra. “Sempre que olho para o Brasil, vejo uma desigualdade muito forte e, por isso, eu não consigo ficar no país por muito tempo. Nasci no subúrbio do Rio, no Jacarezinho, uma região cheia de problemas, com muitas injustiças. Em Londres, a música brasileira é muito respeitada.”

Foi o pai quem encaminhou Ulisses na música. “Quando eu tinha 6 anos, ele me deu um violão. Com 15, me colocou na escola de piano clássico, e sempre me levava em seus shows para tocar percussão na banda. Hoje, toco piano, violão, guitarra e instrumentos de percussão em geral, como surdo, tamborim, repenique, atabaque e berimbau”, enumera. “Meu pai sempre me tratou com muito carinho. Quando se apresentava em favelas, eu ia junto, e, assim que chegávamos, era festa de tiroteio para o alto. Ele sempre me mostrou os vários tipos de situações que aconteciam por lá e me falava: ‘Tá vendo ali? Malandro não cagueta’. Muitas dessas comunidades estavam em guerra e sempre que tinha show dele a guerra parava para o evento. Todos os morros e comunidades tinham por ele muito respeito”, orgulha-se.

E não foi só a musicalidade para tocar vários instrumentos que Ulisses herdou do pai famoso. “Também peguei muita experiência de palco, além de vivenciar o lado B da sociedade brasileira, que muitos de classe média não conhecem. Antes do Bezerra, não existia o samba de malandro, um estilo que ele criou com compositores das favelas do Rio. Hoje, faz falta no Brasil um artista original e com aquele discurso crítico, como foi meu pai. Depois dele, não surgiu mais ninguém com o mesmo estilo ou mesmo parecido”, decreta. LSM

terça-feira, 15 de julho de 2014

Clima pesado

Cinco anos depois de seu último lançamento solo, Pitty deixa os sons acústicos do duo Agridoce e retoma pegada roqueira no novo CD, 'Setevidas'

“Nada muda minha vontade sobre o que vou fazer, sempre foi assim, nunca fiquei esperando que o rock fosse moda para fazer. É uma necessidade interna. Quem tem banda e curte rock tem que dar seu jeito, e ir se adaptando”, decreta Pitty.

A roqueira baiana andou menos roqueira desde 2011, quando passou a se dedicar ao duo Agridoce, de sonoridades acústicas, ao lado do guitarrista Martin, também integrante da banda dela. Sem lançar disco solo — ou melhor, do grupo que leva seu nome, conforme ela faz questão de ressaltar — desde ‘Chiaroscuro’ (2009), ela dispara agora ‘Setevidas’, CD no qual retoma o peso e a atitude típica do rock. “O peso é sentido tanto nas letras críticas e conscientes quanto no som”, conforme classificou o crítico musical Mauro Ferreira.

“O período que passei sem gravar solo me deu tempo para respirar e dar uma aliviada na cabeça das pessoas sobre o conceito que tinham sobre meu som. Daí estarem saindo agora críticas sobre esse disco falando que é minha música mais madura. Eu já acho que meu som está dessa forma há muito tempo, e só agora as pessoas estão percebendo isso. Mas eu entendo que, com o passar dos anos, fique mais fácil de as pessoas perceberem isso”, considera ela.


Esse tempo que ficou sem gravar solo também acarretou uma baixa na banda: o baixista Joe entrou na Justiça, insatisfeito, entre outras coisas, por ter ficado sem tocar (e ser remunerado) durante o período em que o grupo ficou na geladeira (leia mais no abaixo). “O Agridoce me trouxe um novo público. Fez com que as pessoas olhassem de outra forma para o meu trabalho. Quanto ao som, é uma proposta musical muito diferente. Foi muito positivo, um passo além em termos de carreira”, avalia ela.

No Rio, os shows de lançamento de ‘Setevidas’ estão marcados para os dias 15 e 16 de agosto, no Circo Voador, na Lapa. “Tenho um DVD gravado no Circo, é um palco muito importante para mim, e onde me sinto em casa”, diz ela.

BRIGA NA JUSTIÇA
Em 2013, foram publicadas no Twitter pessoal de Pitty mensagens como “Você pagou com traição a quem sempre lhe deu a mão” e “Traição de amigo é pior que de marido, antes a fraqueza pela carne do que pelo dinheiro (alheio, o que é ainda mais feio)”, que deixaram muitos de seus fãs confusos e hoje foram interpretadas como indiretas ao processo movido pelo baixista Joe.

Perguntada sobre o caso, a cantora se limitou a dizer: “Não posso falar disso, porque meu advogado falou para deixar quieto. Eu sou muito sincera, abro o meu coração e depois me ferro.” LSM