quinta-feira, 17 de julho de 2014

Malandragem pra inglês ver

Filho de Bezerra da Silva, Ulisses trilha sua carreira artística em Londres e lança o primeiro disco por selo britânico especializado em música brasileira

Bezerra da Silva (1927-2005) ficou conhecido por cantar o cotidiano das favelas, a malandragem e o uso de drogas como a maconha — quem não conhece o clássico refrão “vou apertar, mas não vou acender agora”? “Mas ele nunca gostou de drogas”, esclarece Ulisses Bezerra da Silva, filho do sambista, que está baseado em Londres e acaba de estrear em disco.

“Meu pai teve experiências ruins com drogas. Quando fumou maconha, deu uma larica (a fome causada pelo uso da erva) e, se você for pobre sem ter o que comer, não é uma combinação muito boa!”, diverte-se.

Morando na capital da Inglaterra desde 2005, logo depois da morte do pai, Ulisses Bezerra, 39 anos, lança na internet ‘2000 e Nem Sei’ pela Far Out Records, gravadora britânica especializada em artistas brasileiros, como Banda Black Rio, Joyce, Azimuth, Leila Pinheiro e Dori Caymmi.

“Meu pai falava que eu era um rockeiro-sambista, com base no samba e o punho no rock. Acho até que foi isso que me levou ao meu estilo musical de hoje, o samba-rock”, define Ulisses, que se lembra de quando Bezerra foi entrevistado por João Gordo e disse para ele: “Você tem o visual igual ao do meu filho. Ele tem uma banda de rock chamada Filhos do Papa e anda todo rasgado.” “Ele era sambista, mas respeitava todos os estilos e sempre apoiou o que eu fazia”, diz.

‘2000 e Nem Sei’ traz oito músicas de autoria de Ulisses, duas de Mazinho e guitarras de Dino Lazer, que eram integrantes do Filhos do Papa, a banda de rock na qual ele cantava no Brasil. “O show de lançamento foi no Somerset House, lugar onde já tocaram Amy Winehouse e Rolling Stones”, conta Ulisses. “A minha carreira está muito bem. Já participei de shows com artistas como Manu Chao, Marcelo D2, Beth Carvalho, Frejat, Max de Castro, Wilson Simoninha e Jairzinho. A cena musical em Londres é muito boa. Tem um movimento underground bastante forte, onde os artistas podem trabalhar sua carreira, com muitos lugares para tocar com uma estrutura de palco boa.”

Antes de Londres, Ulisses morou nos Estados Unidos. “Fui em uma turnê com meu pai, em 1994, e, quando acabou, fui para Boston, convidado por um amigo pra tocar em uma banda de samba. Nesse período, resolvi ir estudar na escola de música Berklee, onde fiz grandes amizades. Voltei para o Brasil em 2002 e fiquei tocando com meu pai, até que ele morreu, em 2005. Foi quando eu resolvi ir para Londres”, relembra. “Sempre que olho para o Brasil, vejo uma desigualdade muito forte e, por isso, eu não consigo ficar no país por muito tempo. Nasci no subúrbio do Rio, no Jacarezinho, uma região cheia de problemas, com muitas injustiças. Em Londres, a música brasileira é muito respeitada.”

Foi o pai quem encaminhou Ulisses na música. “Quando eu tinha 6 anos, ele me deu um violão. Com 15, me colocou na escola de piano clássico, e sempre me levava em seus shows para tocar percussão na banda. Hoje, toco piano, violão, guitarra e instrumentos de percussão em geral, como surdo, tamborim, repenique, atabaque e berimbau”, enumera. “Meu pai sempre me tratou com muito carinho. Quando se apresentava em favelas, eu ia junto, e, assim que chegávamos, era festa de tiroteio para o alto. Ele sempre me mostrou os vários tipos de situações que aconteciam por lá e me falava: ‘Tá vendo ali? Malandro não cagueta’. Muitas dessas comunidades estavam em guerra e sempre que tinha show dele a guerra parava para o evento. Todos os morros e comunidades tinham por ele muito respeito”, orgulha-se.

E não foi só a musicalidade para tocar vários instrumentos que Ulisses herdou do pai famoso. “Também peguei muita experiência de palco, além de vivenciar o lado B da sociedade brasileira, que muitos de classe média não conhecem. Antes do Bezerra, não existia o samba de malandro, um estilo que ele criou com compositores das favelas do Rio. Hoje, faz falta no Brasil um artista original e com aquele discurso crítico, como foi meu pai. Depois dele, não surgiu mais ninguém com o mesmo estilo ou mesmo parecido”, decreta. LSM

terça-feira, 15 de julho de 2014

Clima pesado

Cinco anos depois de seu último lançamento solo, Pitty deixa os sons acústicos do duo Agridoce e retoma pegada roqueira no novo CD, 'Setevidas'

“Nada muda minha vontade sobre o que vou fazer, sempre foi assim, nunca fiquei esperando que o rock fosse moda para fazer. É uma necessidade interna. Quem tem banda e curte rock tem que dar seu jeito, e ir se adaptando”, decreta Pitty.

A roqueira baiana andou menos roqueira desde 2011, quando passou a se dedicar ao duo Agridoce, de sonoridades acústicas, ao lado do guitarrista Martin, também integrante da banda dela. Sem lançar disco solo — ou melhor, do grupo que leva seu nome, conforme ela faz questão de ressaltar — desde ‘Chiaroscuro’ (2009), ela dispara agora ‘Setevidas’, CD no qual retoma o peso e a atitude típica do rock. “O peso é sentido tanto nas letras críticas e conscientes quanto no som”, conforme classificou o crítico musical Mauro Ferreira.

“O período que passei sem gravar solo me deu tempo para respirar e dar uma aliviada na cabeça das pessoas sobre o conceito que tinham sobre meu som. Daí estarem saindo agora críticas sobre esse disco falando que é minha música mais madura. Eu já acho que meu som está dessa forma há muito tempo, e só agora as pessoas estão percebendo isso. Mas eu entendo que, com o passar dos anos, fique mais fácil de as pessoas perceberem isso”, considera ela.


Esse tempo que ficou sem gravar solo também acarretou uma baixa na banda: o baixista Joe entrou na Justiça, insatisfeito, entre outras coisas, por ter ficado sem tocar (e ser remunerado) durante o período em que o grupo ficou na geladeira (leia mais no abaixo). “O Agridoce me trouxe um novo público. Fez com que as pessoas olhassem de outra forma para o meu trabalho. Quanto ao som, é uma proposta musical muito diferente. Foi muito positivo, um passo além em termos de carreira”, avalia ela.

No Rio, os shows de lançamento de ‘Setevidas’ estão marcados para os dias 15 e 16 de agosto, no Circo Voador, na Lapa. “Tenho um DVD gravado no Circo, é um palco muito importante para mim, e onde me sinto em casa”, diz ela.

BRIGA NA JUSTIÇA
Em 2013, foram publicadas no Twitter pessoal de Pitty mensagens como “Você pagou com traição a quem sempre lhe deu a mão” e “Traição de amigo é pior que de marido, antes a fraqueza pela carne do que pelo dinheiro (alheio, o que é ainda mais feio)”, que deixaram muitos de seus fãs confusos e hoje foram interpretadas como indiretas ao processo movido pelo baixista Joe.

Perguntada sobre o caso, a cantora se limitou a dizer: “Não posso falar disso, porque meu advogado falou para deixar quieto. Eu sou muito sincera, abro o meu coração e depois me ferro.” LSM

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Sem perder a ternura

Wanderléa, procure saber, não é só a Ternurinha eternizada pela Jovem Guarda, quando protagonizou com Roberto e Erasmo Carlos o movimento musical pioneiro do rock brasileiro nos anos 60. Em sua discografia, há títulos que pouco ou quase nada remetem ao tipo de som que fazia naqueles tempos. Um desses discos é ‘...Maravilhosa’, de 1972, que a cantora revisitou 40 anos depois no Teatro Municipal de São Paulo, atendendo ao convite da Virada Cultural paulista, e que agora sai em CD e DVD pelo selo Coleção Canal Brasil.

“Foi um marco, né? Às vezes ficamos estigmatizados como artista de um gênero só, mas o que fiz ali não era parecido com nada que já havia feito”, reavalia Wanderléa. “Com esse trabalho, eu mergulhei em um universo musical novo para mim, misturando o rock com o soul, o samba e o chorinho. As pessoas estranharam muito, tanto o repertório como a performance de palco, eu com uma roupa transparente e o corpo todo coberto de purpurina, era muito ousado. Muita gente não gostou, e na imprensa saiu uma manchete que dizia: ‘Ternurinha, pare agora!’. Mas eu vejo como uma continuidade da minha carreira. Já não era mais uma menininha, eu queria crescer, já era uma moçona.”

A história completa desse que é o seu primeiro lançamento após o fim da Jovem Guarda e muitos outros casos de sua trajetória vão ser contados em detalhes na autobiografia que ela anuncia para este ano. “Esse meu livro está escrito há um bom tempo, já desfiz dois contratos, porque desisti de lançar, mas agora a editora Record me pegou pelo pé e finalmente vai sair”, conta. “Só falta definir o título. Seria ‘Soltando os Laços’, depois mudei para ‘Karma e Glória’, mas ainda não escolhi qual será o definitivo.”

Claro que, como amiga íntima de Roberto e Erasmo, que ano passado se juntaram a nomes como Gilberto Gil e Caetano Veloso em um grupo que se manifestou contra a publicação de biografias não autorizadas, ela conseguiu o sinal verde dos antigos colegas da Jovem Guarda para seu livro. “Tenho uma vida ao lado de grandes personalidades, e não lançaria sem a autorização deles. Isso faz parte da nossa ética. Ficamos muito arredios quanto a isso porque, desde os anos 60, as pessoas publicam muitas coisas que não são verdadeiras”, explica.

Ela garante, porém, que não vai omitir de seus futuros leitores certas passagens de sua carreira, como quando Baby do Brasil (que, na época, atendia ainda pelo nome de Baby Consuelo) lhe ofereceu maconha (“Passei tão mal que nunca mais quis aquilo...”) ou os ensaios de Elis Regina e Tom Jobim em sua casa, em Los Angeles, para o célebre disco da dupla, que entraria para a história. “Tem um capítulo inteiro sobre isso, chamado ‘Natal em Pasadena’. O Tom passou o Natal comigo, ele ficava ensaiando o ‘Águas de Março’ no piano de cauda que tinha lá em casa”, descreve.

MEU AMIGO
ERASMO CARLOS

Os três protagonistas do núcleo da Jovem Guarda passaram pela dor de perder um filho, sendo Erasmo a vítima mais recente de tal tragédia, com a morte de Carlos Alexandre, vítima de um acidente de moto. “Sofremos muito, choramos quando falei com ele. Mas temos que continuar”, consola-se ela, cujo filho Leonardo morreu afogado em 1984. “É o trabalho que nos sustenta. A gente tem que aprender a soltar os laços.” LSM

terça-feira, 10 de junho de 2014

‘Samuel Rosa, afinal, você fumou um skank com o Santana?’

Banda mineira lança CD em plena Copa: ‘Temos chance de nos destacarmos’, apostam, em um papo sobre rap, drogas e futebol 

Era para falar do novo CD ‘Velocia’, mas o clima da entrevista estava tão descontraído, passando por assuntos como discos de vinil ou o antigo videogame Atari (tópicos de interesse dos integrantes), que uma pergunta marota saltou no meio do papo, brincando com o nome da banda e da chamada ‘supermaconha’ — e arrancou uma gargalhada desconcertada de Samuel Rosa: “Afinal, você fumou um ‘skank’ com o Santana?”.

O mineiro participou do mais recente disco do legendário guitarrista mexicano e ícone da geração ‘sexo, drogas e rock and roll’ (o cara tocou em Woodstock!). Às vésperas da Copa do Mundo, o craque Samuel não perde a pose, mata no peito e devolve com elegância: “Não fumei, não, mas tomei umas tequilas muito boas com ele, de uma marca chamada Casa Noble, acho até que o próprio Santana é o dono. E, olha, nem sei se ele fuma, porque eu não vi em nenhum momento”, relata. “O que ele me contou é que tomou muita mescalina em Woodstock, e que, se tivesse entrado naquela onda, não estaria aqui hoje para contar história”.

De volta ao Brasil e ao grupo, Samuel seguiu na finalização de ‘Velocia’. “Esse nome... o tempo é um assunto que estava na minha cabeça. Lá se vão mais de 20 anos de banda, e parece que passou voando. Eu fui no Google e coloquei palavras como ‘velocímetro’, ‘veloz’... Aí apareceu ‘velocia’. Acho que é latim”, arrisca.

Quem bate um bolão com ele no disco é Nando Reis. A dupla assina mais da metade das faixas. “Rapaz, eu tenho tantas parcerias com o Nando que daria para completar mais que um álbum duplo”, contabiliza o cantor e guitarrista do Skank. “Nosso processo é sempre assim: eu faço a melodia e ele, a letra. Acho que nossos maiores sucessos são ‘Resposta’ e ‘É Uma Partida de Futebol’.”


Essa última traz o emblemático verso “quem não sonhou ser um jogador de futebol?”. “Eu não!”, apressa-se o baterista Haroldo Ferretti, único da tropa que não dá a mínima para futebol. “Já eu sonhei ser jogador, mas lembro bem o dia em que a chave trocou e passei a querer ser guitarrista”, recorda Samuel Rosa. “Era pivô do time Olímpico, de futebol de salão, em Belo Horizonte. Aos 14 anos, fui participar de uma peneira no Atlético Mineiro. O técnico não me chamou, lembro como se fosse hoje, me causou um trauma. Ali eu decidi que ia fazer aula de violão. O técnico disse: ‘Não faz isso, você vai acabar drogado...’ Nesse dia, a música ganhou um cara mais ou menos, mas o futebol com certeza não perdeu ninguém!”, decreta.

DESAFIANDO A MODERNIDADE
Para apostar no lançamento de um CD em uma época monotemática — no caso, a Copa do Mundo —, tem que ter coragem. “Por outro lado, temos chance de nos destacarmos justamente por isso: não há ninguém lançando nada, só a gente!”, argumenta Samuel Rosa. “E nem estão falando tanto da Copa quanto se esperava”, completa o tecladista Henrique Portugal. “Lembro que, nessa mesma época, em outros anos, já estávamos em uma euforia bem maior. E olha que a Copa nem era no Brasil.”

Além de Samuel, Haroldo, Henrique e Lelo Zaneti (baixista), a escalação do Skank em ‘Velocia’ ganha os reforços do produtor Dudu Marote (que já trabalhara com o grupo e volta ao time), dos cantores Lucas Silveira (do Fresno) e Lia Paris, além dos rappers BNegão e Emicida.

“O que buscamos nos parceiros foi a estranheza aos nossos acordes e melodias”, explica Samuel. “Com o rap, ficou uma pegada musical diferente, porque é um gênero mais ritmado e falado.”

‘Velocia’ é o primeiro disco de inéditas da banda em seis anos — o anterior é ‘Estandarte’, de 2008. “É o Skank desafiando a modernidade. Em uma época supersônica, a gente demora seis anos para lançar um disco novo”, brinca o vocalista. LSM

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Jornalista inglês lista 50 momentos dos Beatles em livro

O dia em que os Beatles experimentaram LSD? O encontro deles com Elvis Presley? A união de John Lennon com Yoko Ono? Quando afirmaram que Paul McCartney morreu? O assassinato de Lennon? Nada disso. Para o jornalista inglês Paolo Hewitt, que listou os 50 momentos mais marcantes dos Beatles no livro ‘Love Me Do’ (Ed. Record, 272 págs., R$ 45), a passagem mais relevante na vida do conjunto de Liverpool não foi nenhuma das listadas acima — todas, claro, devidamente detalhadas em sua publicação.

“O show que fizeram em Liverpool bem no início da carreira, depois de voltarem de Hamburgo usando jaquetas de couro, um figurino bem agressivo para 1961. Foi a primeira vez que fãs enlouquecidas gritaram por eles. A partir dali, os próprios Beatles sabiam que nada seria da mesma forma novamente”, crava o autor.

No livro, ele guia o leitor pelos bastidores de cenas e encontros memoráveis que ajudaram a construir a história do grupo, da infância dura em Liverpool à reunião dos integrantes para o projeto ‘Anthology’, nos anos 90. Eventos mais recentes, porém, como a reunião de Paul McCartney e Ringo Starr em Los Angeles este ano, para comemorar os 50 anos da primeira aparição da banda na TV norte-americana, não está incluída em sua lista — e ele tampouco pretende acrescentar o fato em uma futura reedição da obra. “Eu sequer assisti a essa apresentação. Para ser honesto, sou mais interessado no passado dos Beatles do que no presente deles”, explica. “Mas acredito que o livro cubra todos os momentos importantes da banda. Se alguém discordar, por favor me prove o contrário”, desafia.

Autor de mais de 20 livros sobre música, moda e cultura pop, e de títulos sobre outras bandas, como Oasis e The Jam, Hewitt assume que os ingleses se espantam ao saber que, no Brasil, existem milhares de fãs e grupos musicais dedicados a recriar a obra dos Beatles.

“Para os ingleses, os brasileiros passam o tempo jogando futebol na Praia de Copacabana ou dançando com garotas de biquíni ao som de Gilberto Gil. Mas as turnês de Paul McCartney por aí, com reações fenomenais dos fãs, derrubam essa percepção”, ressalta.

MAIS BEATLEMANIA EM LIVRO
Além de ‘Love Me Do’, outros dois livros sobre os Beatles estão sendo lançados no Brasil. Em quadrinhos, ‘O Quinto Beatle’ (Ed. Aleph, 168 págs., R$ 59,90)
foca em Brian Epstein, o empresário que descobriu o grupo em Liverpool e fez deles a banda mais famosa de todos os tempos.

Já ‘Man On the Run: Paul McCartney Nos Anos 1970’ (Ed. Leya, 352 págs., 29,90) promove um olhar sobre a década mais tumultuada da vida do baixista dos Beatles. “Foi uma época de drogas, mas também de discos brilhantes”, resume o autor, o jornalista inglês Tom Doyle. LSM

sexta-feira, 30 de maio de 2014

Com vocês, ‘Tássia Eller’

“Não, o Toni Platão não tentou fazer o teste para o papel principal”, diverte-se Vinícius Arneiro, diretor de ‘Cássia Eller — O Musical’, brincando com a semelhança do cantor, que é chamado carinhosamente de “O Cássia Eller”.

Mais de mil candidatos do Brasil inteiro tentaram a vaga de protagonista da montagem, mas quem vai viver a polêmica cantora é a curitibana de 24 anos Tacy de Campos. “Meus amigos me sacaneiam, me chamando de Tássia Eller”, conta a líder do grupo Os Marginais, que agita há um tempo a noite de Curitiba com repertório repleto de canções eternizadas por Cássia Eller. “Também sou compositora, e sonho um dia tocar minhas músicas com uma banda. Não pretendo virar atriz, mas acho que a exposição na peça vai ajudar futuramente a consolidar minha carreira de cantora”.

Tacy chega para a entrevista bem à vontade. Pés saltando para fora do chinelo, shorts, camisa larga e amarrotada, cabelos desgrenhados e devorando uma coxinha de galinha: à paisana, Tacy parece até um garotinho. Na peça, com figurino e soltando a voz, chega a impressionar tamanha a semelhança com Cássia. “Quando me caracterizaram pela primeira vez para a peça, estranhei demais. Não parecia eu. É estranho. Está sendo difícil pra c... virar outra pessoa”.

Tão desbocada quanto tímida, Tacy tem mais em comum com a homenageada que apenas uma semelhança física. “Não era um pré-requisito nos testes ser parecida com a Cássia , mas tinha que cantar parecido com ela. A Lan Lan (a percussionista e amiga de Cássia Eller assina a direção musical da peça) pirou com a Tacy, disse que ela é igualzinha. Ela também é homossexual assumida e, no palco, se transforma e até coloca o peitinho pra fora”, descreve Vinícius Arneiro, citando a cena inicial do musical, que remete ao antológico show de Cássia Eller no Rock in Rio em 2001, quando levantou a blusa no meio da apresentação. “Todo o lado de sexo e drogas da Cássia estão no roteiro, não tentamos moralizar a artista e não houve nenhum pudor em expor esse seu lado libertário”.

Com planos de engrenar sua própria carreira de cantora após o musical, Tacy só teme ficar estigmatizada pela personagem que vai encarnar. “Espero sinceramente que isso não aconteça, mas eu sei bem quem eu sou”, afirma.

Idealizador do musical, Gustavo Nunes ressalta que Cássia Eller deixou uma lacuna na música brasileira ainda não preenchida. “Temos muitas excelentes cantoras, mas nenhuma com a qualidade do timbre de voz e a atitude dela. Maria Gadú não chega nem perto! Cássia Eller está fazendo falta!”, decreta. LSM (Foto: Marcos Hermes)

terça-feira, 20 de maio de 2014

‘Ainda canto as músicas nos mesmos tons’

Tetê Espíndola ganhou popularidade pela sua voz agudíssima e pelo sucesso ‘Escrito Nas Estrelas’, canção vencedora do ‘Festival dos Festivais’, uma espécie de ‘Superstar’ que a Globo promoveu em 1985. A obra da cantora mato-grossense, no entanto, é bem mais abrangente, como pode ser testemunhado em seu novo lançamento: um CD duplo que reúne ‘Pássaros Na Garganta’, clássico de sua discografia lançado em 1982, e o inédito ‘Asas do Etéreo’ (Selo Sesc), com participações de Egberto Gismonti, Hermeto Pascoal e Arrigo Barnabé.

Há quem ressalte que ‘Escrito Nas Estrelas’ prejudicou a trajetória artística de Tetê, tirando a atenção de seu trabalho de vanguarda e a transformando em um ícone brega. Mas a cantora discorda, e não descarta de seu repertório a emblemática canção até hoje.


“Essa música só me ajudou, me deu um nome nacional, foi uma dádiva na minha vida. Ganhei um festival com ela, não foi um sucesso que uma gravadora bancou para tocar no rádio. Aonde vou, até no exterior, nunca posso deixar de tocá-la. E faço questão. Muita gente vai aos meus shows por causa dela, e aí acaba conhecendo meu repertório”, destaca Tetê Espíndola. “Fico chocada quando falam que eu não fiz mais nenhum sucesso. As pessoas ficam presas nessas coisas, o que é uma bobagem.”

‘Asas do Etéreo’ é o primeiro álbum de inéditas da artista desde ‘E Va Por Ar’, de 2007. “Muita gente me perguntava: ‘Puxa, já tem sete anos sem lançar disco?’. Mas minha vida é assim, não tenho compromisso de ficar lançando disco todo ano porque não tenho uma multinacional me bancando. As coisas vão por garra e vontade. E eu também produzi muitas coisas nesse meio tempo, eu não paro nem um minuto!”, conta.

Com o relançamento de ‘Pássaros Na Garganta’, Tetê vem fazendo shows exclusivamente com o repertório do disco, considerado seu lançamento mais importante. “E ainda canto as músicas todas nos mesmos tons originais!”, orgulha-se. “A voz muda com a idade. Já se vão 33 anos desde que gravei esse disco, e é claro que aquela coisa linda do agudo de quando se é jovem tem uma energia única, por isso me deu muito trabalho retomar esse repertório. Tive que recuperar aquela mesma energia aos 60 anos.” LSM

quarta-feira, 30 de abril de 2014

A voz do mar

No dia em que se festeja o centenário de Dorival Caymmi, filhos e a neta ressaltam seu legado e imaginam o que o patriarca estaria fazendo hoje

O samba da nossa terra festeja hoje, com saudades, o centenário de um dos maiores — se não o maior — compositores brasileiros de todos os tempos. Dorival Caymmi nasceu em Salvador, em 30 de abril de 1914, e morreu no Rio de Janeiro, em 16 de agosto de 2008, dormindo, uma morte digna do espírito de ‘baianidade’ que ele ajudou a popularizar no mundo.

“Mas hoje em dia não tem mais jangada, não tem mais canoa, não tem pescador de rede... acho que, se meu pai estivesse vivo e compondo, ele ia ter que se inspirar no ‘Lepo Lepo’”, ironiza o filho Dori, lembrando temas eternizados nas canções do pai, clássicos como ‘É Doce Morrer no Mar’, ‘Suíte do Pescador’ e ‘O Mar’, entre muitos outros clássicos.

Dori prepara o disco ‘Dorival Caymmi: Centenário’, com participações dos irmãos, Danilo e Nana, e de Chico Buarque, Gilberto Gil e Caetano Veloso. “As pessoas atualmente querem ouvir mais a música com o corpo do que com o ouvido. Mas tem aí uma geração de músicos jovens e bem-informados que ainda me dá esperança”, diz.

Danilo Caymmi também prepara um CD relendo a obra do pai, a ser lançado ainda este ano e com a participação de uma turma nova, o que afirma a relevância e influência das canções do baiano, que soam modernas ainda hoje. “Estou produzindo esse disco com o Domenico (Lancellotti, integrante da Orquestra Imperial), que é para entender o ponto de vista dos jovens sobre a obra do Caymmi. Eu vou atuar apenas como cantor e flautista”, antecipa Danilo. “Meu pai sempre foi interessado em tecnologia, era muito curioso. Lembro que, quando surgiu o telefone celular, a primeira coisa que fez foi me pedir para lhe dar um. Ele adorava a tecnologia, e acho que, se estivesse vivo hoje, estaria se divertindo nessa área da internet”, arrisca.

Ainda no embalo das comemorações pelo centenário, os Correios lançam esta semana um selo celebrando a data, e a neta Stella Caymmi (filha de Nana) relança em maio a biografia ‘Dorival Caymmi: O Mar e o Tempo’ e assina a curadoria da mostra ‘Caymmi 100 Anos’, prevista para estrear em São Paulo, em julho.
“Ele não partiu. Nem ele, nem mamãe (Stella Maris, que morreu poucos dias depois de Dorival)”, decreta Nana Caymmi. “É uma ausência danada, mas eles ainda estão muito presentes em nossas vidas, e a gente se consola bem”, resigna-se ela.


Não é exagero dizer que Dorival era um filósofo, que cultivava a simplicidade na vida e na arte. Seu legado é de uma grandeza imensurável. É um gênio da música, mas conclusões como essa são óbvias, sempre foram, ainda mais nesta data. “Hoje, todos querem ser ricos e famosos, querem ser a Ivete Sangalo, é um besteirol muito grande”, dispara Dori.

Crítica atestada nos versos do patriarca em ‘Saudade da Bahia’: “Pobre de quem acredita na glória e no dinheiro para ser feliz”.

A NOVATA DO CLÃ
Todos os dias ela acorda e vai até a sala. Ao olhar para o quadro de seu avô, sente o peso do mundo em suas costas. Respira fundo e solta um palavrão. Afinal, a cantora Alice Caymmi (que herdou o timbre de voz da família) é neta de Dorival. “Depois que meu pai e meus tios fizeram o projeto deles em homenagem a meu ‘vô’, pensei que seria bonito eu também fazer a minha leitura”, conta a carioca, filha de Danilo, que, transgressora, quis celebrar a obra do avô em ritmo de axé no show ‘Dorivália’ (o nome é uma mistura de Dorival com Tropicália). “Vamos digerir Dorival Caymmi, e não apenas reproduzir! Para quem não gostar, eu peço que deixe de ser purista, que pare com essa besteira. Dizer que a cultura baiana hoje é menor que na época do meu avô é uma falta de respeito!”. LSM

quinta-feira, 17 de abril de 2014

Um lugar para o choro

“Isso aqui está ficando bonito pra caramba”, alegra-se a cavaquinista e compositora Luciana Rabello, ao entrar no casarão de três andares no número 38 da Rua da Carioca, no Centro. “A gente chega em Buenos Aires e tem lá um lugar para se conhecer o tango. Em Nova Orleans, tem espaços contando tudo sobre o jazz. E eu estou sempre pagando mico quando meus amigos do exterior vêm ao Rio e perguntam: ‘Onde rola um lance de choro aí?’ Eu tenho que responder que só se for lá em casa.”

Era para falar de seu novo CD ‘Candeia Branca’, mas a mulher do legendário letrista Paulo César Pinheiro — com quem é casada há 29 anos — não se conteve em adiantar os detalhes do Instituto Casa do Choro, misto de museu, teatro e escola sobre o gênero musical que defende com unhas, dentes e coração.


“É um sonho antigo se realizando. Desde 2001, procuro um local na cidade para preservar a memória do choro, que é a mais antiga forma de música popular brasileira, até que em 2009, conseguimos a cessão do prédio pelo Governo do Estado. Só agora as obras estão em fase de finalização”, entusiasma-se Luciana. “A expectativa é terminar em maio. Acho que vamos funcionar em fase experimental inicialmente, porque daí vem a Copa do Mundo no mês seguinte, e a ideia é realizar um grande evento de inauguração em julho. Meu desejo é fechar a Rua da Carioca para um show em um domingo, mas ainda não consegui as autorizações para isso. Se não der, quero montar um palcão no Largo da Carioca.”


A Casa do Choro vai abrigar os cursos mais avançados da Escola Portátil de Música (EPM), idealizada por Luciana em 2000 para se ensinar o ritmo e que funciona na Unirio, na Urca, sendo inclusive curso de extensão da faculdade de Música — a EPM tem até filial internacional, em Roterdã, na Holanda, levada para lá há dois anos por um violonista holandês que veio ao Rio aprender cavaquinho com ela e pirou com o choro.

Luciana Rabello pilota ainda a gravadora Acari, que lança títulos dedicados ao choro, claro, incluindo seu novo CD. “A Acari é muito procurada por gente de fora. Vendemos principalmente para o Japão e Europa”, orgulha-se a empreendedora. “Entre minhas vontades de realizar pela Acari , sonho lançar um disco solo do Cristóvão Bastos tocando exclusivamente o repertório de Ernesto Nazareth, mas acho que ele não iria se animar”, deixa a dica ao amigo pianista.

Curiosamente, seu ‘Candeia Branca’ não é um disco de choro. “O choro é a base de muitos gêneros musicais, como os que gravei: samba, ciranda, maculelê, valsa, baião...”, lista ela.

Neste disco, ela, que é virtuosa cavaquinista, abre espaço pela primeira vez para seu lado cantora, em parcerias inéditas com Paulo César Pinheiro. “O choro é basicamente uma música instrumental. É um gênero que não se presta muito ao canto, é feito mesmo para os instrumentos. Existem choros cantados, e não tenho preconceito, mas acho que fica esquisito”, explica. “Mas nem adianta me mandar fita com músicas para eu cantar em um próximo disco, porque não quero me lançar como cantora!”, descarta.

O que Luciana Rabello quer é seguir em sua missão de preservação da memória do choro. “Não sei se vou conseguir salvar o choro, mas que eu boto uma pilha, ah, eu boto mesmo!”, decreta.

E não venha chamar o choro de ‘chorinho’ em sua presença: “Quando você ouve a complexidade dessa música, entende que não procede chamá-la pelo diminutivo. Eu sei que, às vezes, é até uma forma carinhosa de se referir, mas soa pejorativo. A única pessoa que falava chorinho e ficava bem era o Pixinguinha... Mas ele era o cara, né?” LSM (fotos Maíra Coelho)

quinta-feira, 10 de abril de 2014

‘O desafinado sou eu!’

Gilberto Gil brinca com os estereótipos associados ao ídolo João Gilberto, homenageado em seu novo CD, e assume que desde o início da carreira queria imitar o bossa-novista

Célebre nome da Bossa Nova, João Gilberto já foi acusado (injustamente) de ser desafinado. “Nada disso. Ele é, na verdade, um intérprete muito exigente com cada nota que canta. É tudo afinadão”, defende o amigo e fã declarado Gilberto Gil, que celebra o repertório eternizado pelo ídolo em seu novo CD, ‘Gilbertos Samba’. “Eu mesmo não tenho essa exigência dele, de aferir a nota certinha ao cantar. Comparado a João, o desafinado sou eu”, diverte-se.

Gil conta que esse projeto é a junção de dois sonhos antigos: fazer um CD de samba e outro em homenagem ao mestre bossa-novista. No repertório, ele reuniu clássicos gravados por João Gilberto, de autores como Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Carlos Lyra e Caetano Veloso, além de uma canção inédita, ‘Gilbertos’, composta por ele especialmente para o projeto. “Além do canto, temos que destacar que o violão do João Gilberto também é incrível. Queria ter a mesma capacidade de concentração dele no ato de tocar. Sou mais disperso”, assume. “Desde quando ganhei meu primeiro violão, já tentava reproduzir o som do violão do João. Eu queria imitá-lo”, lembra.

Gil brinca com outra fama que acompanha João: a de ser um cara excêntrico e misterioso. “Ele tem um modo de ser diferente da maioria das pessoas, né? É um homem recolhido, não falo com ele há dez anos”, resigna-se. Sonho do CD concretizado, Gilberto Gil ainda acalenta uma vontade pessoal não realizada sobre este novo projeto. “É evidente que adoraria que o João Gilberto escutasse esse disco. Tenho muita curiosidade de saber o que ele acharia”, anuncia o discípulo.

HERDEIROS DA TROPICÁLIA
Pela primeira vez atuando juntos na produção musical, Moreno Veloso (filho de Caetano) e Bem Gil (filho de Gilberto) assinam a função neste novo disco, ‘Gilbertos Samba’. “Fui eu quem chamei os dois, queria que fosse produzido pelos filhos. Vendo eles trabalhando, eu só lembrava de mim e do Caetano mais
jovens”, emociona-se Gil, pagando de pai coruja e ‘tio’ emprestado. “Lembro do Moreno pequenininho pedindo ao Caetano: ‘Coloca a música do Gil’. Ele tinha uma ligação comigo, e, desde cedo, eu já percebi que ele seria da minha turma.”

Moreno, 41 anos, já acumula vários títulos como produtor musical, incluindo os discos mais recentes do pai, além do elogiado ‘Recanto’, que deu novo fôlego à carreira de Gal Costa. Bem, 29, atua mais com seu próprio conjunto, o Tono. “Muito da minha experiência na área vem de ver o Liminha (produtor brasileiro que é referência) trabalhando com meu pai”, detalha Bem Gil.

Moreno conta que, inicialmente, os dois tiveram que passar a entender do riscado para produzir seus próprios discos — ele, inclusive, anuncia que este mês estreia solo, com o lançamento de seu primeiro CD sem o grupo +2, que divide com Kassin e Domenico Lancellotti. “Se a gente não aprendesse, ninguém iria fazer isso por nós”, decreta, modesto.

Resumindo, produtor musical é o cara que acompanha o processo de feitura de um disco, desde antes da gravação, ensaios, que escolhe os músicos que vão participar, entre outras atribuições. E a combinação dos filhos deu muito certo. “Foi um encontro excepcional”, elogia Moreno. “Eu, por exemplo, sou muito avoado. O Bem consegue resolver com dois simples telefonemas coisas burocráticas que eu demoraria um mês”.

Quem sabe, então, não virá um disco desta dupla por aí? “Que coisa bonita seria isso, um disco meu com o Moreno!”, festeja a ideia Bem Gil. LSM (fotos André Luiz Mello)

sexta-feira, 4 de abril de 2014

A dona da lona

Maria Juçá lança livro com histórias memoráveis do Circo Voador, espaço que defende com unhas, dentes e coração 

Se a questão é manter vivo o Circo Voador, a baixinha de 64 anos Maria Juçá vira uma gigante com a mesma energia de uma adolescente cheia de hormônios em ebulição. E parte para dentro da briga, seja com o desafeto Perfeito Fortuna (um dos fundadores do Circo, com quem teve uma cisão nos anos 90) ou com os ex-prefeitos César Maia ou Luiz Paulo Conde. “No entanto, sou amiga e transito muito bem entre inimigos declarados, como Lobão e Herbert Vianna ou Yuka e Falcão, do Rappa”, relativiza a diretora da lona da Lapa.

Os êxitos, fracassos e ‘tretas’ que vivenciou desde 1982, quando foi convidada a integrar a equipe do Circo Voador, estão no livro ‘A Nave’, (Ed. do Autor, R$ 59,90), um calhamaço de 703 páginas (“O texto original deu mais de mil páginas, tive que dolorosamente reduzir. São muitas histórias”), que Maria Juçá lança nesta quarta-feira, às 19h, na livraria Blooks (Praia de Botafogo 316).

“E, no segundo semestre deste ano, sai um documentário sobre o Circo, que também vai se chamar ‘A Nave’, dirigido por Tainá Menezes. É o primeiro filme dela, uma jovem cineasta de 30 anos, amiga da minha filha. Ela conseguiu a façanha de editar para 1h10 as cerca de 8 mil horas do nosso acervo”, detalha Juçá.

O livro conta a história da autora desde antes de integrar a trupe, e inclui passagens divertidas e curiosas, como o dia em que ela fumou um cigarro de maconha com Bob Marley. “Um ano antes de ser convidada para o Circo, eu trabalhava na equipe da Rádio Cidade, e o Bob veio ao Rio para uma entrevista coletiva. Aqui, foi apresentado a ele um baseado gigantesco, até hoje fico assustada quando lembro, era da grossura de umas quatro canetas”, espanta-se. “Eu só lembro de dar um trago e meu olho começar a rodar, que nem se tivesse enfiado o dedo na tomada. Só que logo mandaram apagar, porque, de acordo com os rastas, as mulheres não podem participar dessas rodinhas de fumo. Mas eu quebrei o protocolo!”

‘A Nave’ traz ainda depoimentos exclusivos de Frejat, Tom Zé, Lenine, Lobão, Gilberto Gil, Angela Ro Ro e Marcelo D2, entre muitos outros. Estão lá relatados o show para lançamento da candidatura do Macaco Tião à prefeitura do Rio; a transmissão ao vivo do programa ‘Perdidos Na Noite’ (que Fausto Silva comandava na Band); a apresentação do Titãs no início da carreira para apenas 13 pagantes; o dia em que o punk Jello Biafra disse que só subiria ao palco da lona se tomasse banho em uma jacuzzi (e acabou na banheira da casa de Renato Russo); o fechamento do estabelecimento depois da comemoração da vitória das eleições pelo prefeito Conde, em pleno show do Ratos de Porão; o reencontro do Planet Hemp, quando 5 mil fãs (o Circo comporta 2 mil) derrubaram as grades e quebraram até os banheiros; a lata de cerveja que jogaram da plateia no James Taylor; e quando Tim Maia ficou de mal com Juçá, injuriado com a faixa em que estava escrito “Tim Maia está rouco, Tim Maia está louco”, que ela colocou na porta do Circo após ele não ter comparecido a uma apresentação marcada lá. “Depois fizemos as pazes e ele fez mais uns 15 shows no Circo”, diverte-se ela.

Maria Juçá só não se reconciliou ainda com o antigo colega de lona, Perfeito Fortuna (hoje responsável pela Fundição Progresso). “Somos de mal um com o outro, mas não queremos o mal um do outro. Ele atesta que o Circo deveria acabar e que a Fundição seria sua sucessora, como algo mais grandioso. Mas lá é um espaço gigante, e eu acho que precisamos manter essa usina experimental para as novas gerações de artistas, como é o Circo Voador. Só volto a falar com ele se ele beijar minha mão!”, sugere, às gargalhadas. LSM (foto André Luiz Mello)

terça-feira, 1 de abril de 2014

Lá vem o Moraes Moreira

Ao contrário do regime militar imposto aos brasileiros há 50 anos, todos sentem saudades do Novos Baianos, grupo que Moraes Moreira formou no anos 70 com Baby do Brasil (que ainda era Consuelo), Pepeu Gomes e Paulinho Boca de Cantor e marcou a história com clássicos como ‘Preta Pretinha’ e ‘A Menina Dança’. Porém, para Moraes, a existência de um depende do outro.

“Éramos hippies à brasileira, e essa ideia radical de viver juntos em um sítio era nossa resposta àquele momento de ditadura. Muita gente me procura falando sobre uma volta do Novos Baianos, mas nunca seria a mesma coisa. Só se voltasse a ditadura no Brasil”, relativiza o cantor e compositor.


Moraes deixa o grupo em 1974, há 40 anos (“Já com filhos para criar, quis sair do sítio, achei que poderia ter uma abertura, mas não aceitaram, embora ali não fosse exatamente uma ditadura”, relata), e lança no ano seguinte o primeiro disco solo, chamado apenas ‘Moraes Moreira’. Até agora inédito em CD, ele acaba de ganhar o formato digital embalado na caixa ‘Anos 70’ junto de seus três lançamentos solo seguintes, ‘Cara e Coração’ (1977), ‘Alto Falante’ (1978, este também estreando só agora em CD) e ‘Lá Vem o Brasil Descendo a Ladeira’ (1979).

“Inicialmente, farei essas apresentações com esse repertório apenas no formato voz e violão, mas depois vou para a estrada acompanhado por uma banda”, promete.

Estão nesses álbuns iniciais clássicos como ‘Guitarra Baiana’ (da trilha da novela ‘Gabriela’, em 1975), ‘Pombo Correio’ e ‘Lá Vem o Brasil Descendo a Ladeira’. Na parte instrumental, Moraes leva para seu universo particular o amigo Pepeu Gomes e outros músicos que já transitavam na comunidade dos baianos: Armandinho, Dadi, Mu e Gustavo Schroeder, que logo seriam oficializados como a banda A Cor do Som.

“Eles eram uns meninos, quando os chamei para tocar”, recorda.

DESCENDO A LADEIRA
Na época da ditadura, Moraes Moreira não poderia disparar críticas contra o que considerava errado no País. Agora, o cantor aproveita e abre o verbo, pegando carona no título de um de seus sucessos: “O Brasil, no momento, está descendo ladeira abaixo. Não está pronto para fazer Copa do Mundo, tem que dar um jeito na educação e na saúde antes disso”, decreta.

O cantor tem ainda mais uma reclamação, mas esta não passa pela crítica social. Na edição do ano passado do Rock in Rio, a apresentação que fez ao lado de Pepeu e Roberta Sá assustou muitos fãs por conta da sua voz, que parecia diferente, rouca. “Tive muitos problemas de som naquela ocasião. Estava me ouvindo mal pacas, não dava para cantar bem assim”, justifica. “Mas o clima bom que rolou no show superou isso.”

Clima melhor ainda ele promete para seu próximo lançamento: um CD em parceria com o filho, o guitarrista Davi Moraes. “Fomos contemplados por um edital da Petrobras. Estamos em estúdio gravando, vai ter diversas parcerias inéditas nossas. O nome, por enquanto, será ‘Pai e Filho’. Deve sair ainda no primeiro semestre”, anuncia. LSM (foto João Laet)

As garotas do Arrigo Barnabé

Atrás dos cabelos desgrenhados daquele senhor ao piano, chamam a atenção quatro mocinhas de uns vinte e poucos anos cada. Claro, os fãs estão ali sedentos pelo ídolo Arrigo Barnabé — figura rara em palcos daqui, que recentemente agendou shows no Rio, no espaço Audio Rebel, em Botafogo, todos lotados e com direito a presenças ilustres na plateia, como Zélia Duncan e Ney Matogrosso. Mas ninguém fica imune ao charme das jovens virtuosas instrumentistas que o acompanham nesta turnê, que recria sua obra mais emblemática, o disco ‘Clara Crocodilo’, de 1980. “Somos histéricas, mas no bom sentido”, classifica a soprista Joana Queiroz, única carioca da trupe. “Todo mundo acha que ele é um porra-louca, mas o Arrigo é um tremendo de um gentleman”, derrete-se.


Completam o time feminino Mariá Portugal (bateria), Ana Karina Sebastião (baixo), ambas de São Paulo, e Maria Beraldo (clarineta), que veio de Florianópolis. O visual do protagonista, que mais lembra um cientista louco, esconde uma faceta que só quem se internou por 15 dias seguidos ensaiando para a empreitada nada simples (“Tem que estudar muito, as músicas dele são bem complexas”, ressalta Maria) poderia revelar. “Tivemos show às vésperas do Natal e ele fez questão de fazer amigo oculto. Ele é meio criança”, brinca Joana.

Mariá foi a primeira a conhecer o ídolo pessoalmente. “Escuto o ‘Clara Crocodilo’ desde pequenina, até que esbarrei com o Arrigo na rua em São Paulo, não resisti e falei: “Cara, você mudou a minha vida!’ Ao que ele respondeu: ‘Mas foi para melhor ou para pior?’ Caímos na gargalhada, estreitamos os laços e um dia veio o convite para tocar com ele”, conta Mariá, fera dos tambores que já serviu com seu ritmo a nomes como Pato Fu e Zélia Duncan.

Este núcleo feminino começou a tomar forma quando Arrigo teve a ideia de reunir apenas garotas no projeto O Neurótico e As Histéricas, que criou para homenagear o contemporâneo Hermelino Neder, assim como ele ligado ao movimento cultural Vanguarda Paulista. Através do convite de um festival de música de vanguarda no Chile, em outubro do ano passado, surgiu a ideia de reler ‘Clara Crocodilo’ com elas, que, afinal, já estavam ali com ele. O show passou por casas em São Paulo antes de chegar por aqui.

“Não esperava tanta receptividade no Rio, não sabia que por aqui assimilaram tanto a Vanguarda Paulista. Precisamos voltar com esse show ao Rio em um lugar maior!”, deseja Ana (o Audio Rebel comporta umas 80 pessoas apenas). Circo Voador, fica a dica! LSM (foto Luciano Oliveira)

quarta-feira, 12 de março de 2014

Um papo praieiro com Jack Johnson

Música é a praia do cantor e compositor norte-americano Jack Johnson. Criado no Havaí, ele também surfa e leva a vida assim, tocando e surfando mundo afora. Quinta-feira, ele volta ao Rio e se apresenta na HSBC Arena, na Barra da Tijuca. Com um disco novo na bagagem, o ‘From Here To Now To You’, Johnson não vê a hora de reencontrar o público... e as praias brasileiras, claro.


“Tudo bem?”, começa ele o papo, assim mesmo, arranhando um português. “Nunca fui ao Brasil a lazer, sempre tinha shows agendados, mas sempre consigo um bom tempo livre para me divertir, escapar do hotel e surfar”, completa, já em seu idioma.

Este quase menino do Rio já mostra know-how até para elencar o melhor point para o surfe por aqui. “Florianópolis!”, entusiasma-se. “O Rio também é muito bom, tem muitas possibilidades diferentes de ondas. Vou sempre procurando por lugares para surfar, mas em Florianópolis foi onde encontrei as melhores.”

Nesta vinda ao Brasil, não por acaso sua turnê passa ainda por Florianópolis, no sábado. Mas também vai a São Paulo, um dia antes. Lá, registre-se, não tem praia. Sem problemas para Jack Johnson: “Quando vou a São Paulo, dirijo até a costa, tenho amigos que me levam, como o Mario Caldato (o produtor brasileiro que trabalhou em alguns discos de Johnson).”

O músico-surfista assume que tenta ajustar datas e locais de suas turnês de acordo com os melhores points para o surfe. “É verdade, sempre olho o calendário para ver isso, mas às vezes é difícil conciliar”, resigna-se.

Fã de um papo praieiro, Jack Johnson dá corda ao assunto lembrando perrengues que já passou no mar. “Na verdade, só encarei ondas difíceis no Havaí. Fora de lá, o que me preocupou nunca foram as ondas, mas locais onde há tubarões”, relata.

Mas, afinal, Jack Johnson, o que te dá mais onda, cantar ou surfar? “É difícil escolher. Surfar é algo que se pode fazer também sozinho. Quando vou tocar, preciso de outras pessoas para fazer música, e da energia do público. São coisas diferentes”, compara, e aproveita para fazer o tradicional chamego no público brasileiro. “Realmente os shows no Brasil são diferentes, porque o que sinto no palco é que não há separação entre mim e o público. São sempre os melhores shows! Cantar com o acompanhamento da plateia aplaudindo no ritmo é como uma grande festa”, descreve.

Ele passou por nossas praias pela primeira vez logo quando despontou ao estrelato, em 2006, com show na Praça da Apoteose. A última vez em que esteve no Brasil foi em 2011 e, de lá para cá, parece que deu uns tapas no português. “Sempre que acordo, a primeira coisa que falo para minha mulher é: ‘Oi, linda!’”, conta, caprichando no idioma. Antes de desligar o telefone, no fim da entrevista, ainda arrisca uma última palavrinha em português: “Obrigado!” LSM

segunda-feira, 10 de março de 2014

Livro promove viagem aos tempos da beatlemania

Um novo olhar sobre a beatlemania. É o que pretende o escritor e músico inglês Terry Burrows, autor de ‘The Beatles — História, Discografia, Fotos e Documentos’ (ed. Publifolha, 132 págs., R$ 129,90). A publicação é um livrão de capa dura com a história do grupo e encartado com dezenas de reproduções fiéis de cartazes, ingressos, anúncios publicitários e repertórios anotados à mão pelos próprios músicos, entre outros itens para deixar qualquer colecionador louco.

“O ‘Daily Mail’, um dos maiores jornais da Inglaterra, o classificou como o melhor livro ilustrado do ano. Claro que os suvenires adicionaram um charme extra à história que eu conto. Acredito que, por ser músico profissional e compositor há 20 anos, trouxe uma perspectiva diferente à música dos Beatles”, ressalta Burrows.

Ele passa a limpo os fatos marcantes da trajetória do Quarteto de Liverpool e também faz uma análise pessoal sobre como suas canções mudaram o comportamento da sociedade e a indústria do pop mundial. “Não classificaria o Paul McCartney o beatle mais talentoso, mas certamente ele foi o mais entusiasmado, então acho que, mesmo se os Beatles nunca tivessem existido como grupo, ele ainda assim seria muito bem-sucedido na música. John Lennon, por outro lado, suspeito que ficaria cansado de esperar o sucesso e teria seguido outra vertente artística. Quem sabe?”, arrisca o autor.

O lançamento chega ao Brasil com dois anos de atraso. O título original em inglês é ‘It Was 50 Years Ago Today’ (‘Foi Há 50 Anos’), se referindo às cinco décadas do lançamento da estreia em disco dos Beatles, com o compacto ‘Love Me Do’, em 1962. Nada que diminua o interesse dos beatlemaníacos daqui. Além do texto e das reproduções (como um panfleto de show no lendário Cavern Club de Liverpool ou uma entrada para a estreia do filme ‘Help!’ no cinema, tesouros que já seriam suficientes para fazer fãs se descabelarem da mesma forma que as mocinhas da foto abaixo), o livro reúne centenas de fotos da banda.


“É incrível que, ainda hoje, até os mais especializados nos Beatles continuem a se surpreender com fotos inéditas deles. Nos anos 60, todo jornal tinha sua equipe de fotógrafos, que tiraram fotos de praticamente tudo que os Beatles faziam. Por isso que ainda existe muito material enterrado nos arquivos dos jornais ao redor do mundo”, explica. “Eu sugeri os itens de colecionador para acompanhar o livro que melhor traduziriam o texto em passagens específicas da vida deles. Como eu mesmo sou um tremendo fã, já tinha certeza de que seria muito excitante para os leitores ter contato com todo esse material histórico.”


Terry Burrows classifica seu lançamento como o “mais luxuoso material impresso já feito sobre os Beatles”, mas também elege os seus livros prediletos no assunto. “Ainda acho que ‘Shout! The Beatles in Their Generation’, de Philip Norman, é o melhor (a publicação é considerada, de maneira quase unânime, como a ‘definitiva’ biografia deles). E o ‘Anthology’, escrito pelos próprios Beatles, que traz perspectivas interessantes, se você ignorar os interesses pessoais que havia ali como pano de fundo”, ressalta. LSM

terça-feira, 4 de março de 2014

Ícone dos anos 60, Donovan acompanha David Lynch quase despercebido

Esta matéria foi publicada originalmente no Jornal do Brasil em 10/08/2008. 

"Eu, particularmente, acho Donovan muito mais interessante que David Lynch", diz um fã do músico escocês, carregando um saco com discos de vinil e outras relíquias para tentar um autógrafo.

A primeira apresentação de Donovan no Rio, em sua primeira vez no Brasil, foi um pocket-show no final da palestra que o cineasta David Lynch deu no auditório da Universidade Estácio de Sá, na Barra da Tijuca.

"Será um show bem pequeno, mas sobre uma grande coisa: a meditação", declara o cantor e compositor, antes de presentear o público com algumas pérolas de seu repertório, como 'Catch The Wind', 'Hurdy Gurdy Man' e 'Mellow Yellow'. "Já havia pensado em vir ao Brasil diversas vezes, mas nunca as circunstâncias ajudaram. Agora finalmente tudo deu certo".

Donovan Leitch é um artista único, ícone do movimento hippie da década de 60, amigo dos Beatles, apontado como a resposta britânica a Bob Dylan devido a seu estilo folk e por também se apresentar apenas com seu violão e gaita, autor de cativantes e memoráveis canções e um dos artistas que mais teve revivals na carreira. Ele está acompanhando David Lynch na turnê de lançamento do livro que o diretor escreveu sobre meditação transcendental, a técnica mental para combater o stress fundada pelo guru Maharish Mahesh Yogi e da qual ambos os artistas são adeptos. O evento na universidade reúne muitas pessoas interessadas de fato no desenvolvimento do repouso espiritual, outras querendo desvendar algo mais sobre quem matou Laura Palmer, e ainda uma parcela considerável de fãs do músico. A curiosa presença do recluso artista dos anos 60 despertou a atenção de antenados, como a cantora Mariana Aydar, o músico e produtor Kassin e o DJ Maurício Valadares.

Donovan anuncia o lançamento do DVD duplo 'Sunshine Superman The Journey Of Donovan'. "Será um documentário de três horas sobre minha vida e música, com mais duas horas de bônus, com muito material raro e depoimentos e lembranças de amigos, como George Harrison, Bob Dylan, Joan Baez, Jimmy Page, e o próprio David Lynch, além de incluir também seis novas músicas".

Fiel aos valores de paz e amor, ele vê na internet uma nova e eficaz forma de transmitir a mensagem da meditação em busca de um mundo melhor. "Vejo hoje os comerciais na televisão como as novas rádios. Tem seis músicas minhas em trilhas de propagandas. Aí a pessoa ouve todo dia o refrão de 'Mellow Yellow', vai lá no Google e digita essas duas palavrinhas do título e encontra os meus 27 álbuns. Aí vai lá e tem contato com minhas músicas, que falam sobre paz, ecologia, espiritualidade e meditação. Então a internet é o sonho dos anos 60 realizado, de transmisão instantânea da mensagem da paz", celebra. "É um ciclo que começa com o comercial na TV e chega na meditação. Hoje é assim: você tem uma ideia, e a ideia chega para todas as pessoas no mundo na mesma hora".

Na turnê mundial - inclusive nesta passagem pelo Brasil -, David Lynch e Donovan têm se encontrado com políticos para sugerir a implementação da meditação transcendental nas escolas. "As pessoas falam que isso é um sonho, mas é realidade. Vejo um futuro em que todos vão meditar. Não é religião, é só uma técnica para reduzir o stress na sua vida. Quando não há stress, não há guerra", explica.

O envolvimento de Donovan com a meditação transcendental aconteceu em fevereiro de 1968, quando ele, mais os quatro Beatles, além do também músico Mike Love (Beach Boys), da atriz Mia Farrow, e mais um grupo de cerca de 50 pessoas foram à Índia com o Maharish. Os cabeludos de Liverpool voltaram depois de cerca de dois meses. Ringo Starr não se adaptou à alimentação e Paul McCartney não se interessou o suficiente. John Lennon e George Harrison ficaram um pouco mais, mas voltaram depois de suspeitas sobre o envolvimento íntimo do guru com uma das alunas do curso. Donovan, pelo visto, desde então não se desligou mais dos ensinamentos do Maharish.


"Será realizado um show em Toronto celebrando os 40 anos dessa ida à Índia, que foi um marco para a popularização da mensagem da meditação transcendental para o ocidente. Vou tocar, além de minhas canções, outras que ajudei os Beatles a fazer, como 'Dear Prudence' e 'Mother Nature's Son', que ensinei os dedilhados a John e Paul, respectivamente", conta.

Ele ainda dá dicas do que de mais interessante tem escutado ultimamente: "Dois grupos: Future Sound Of London, muitas vezes chamado apenas de F.S.O.L., que faz um som eletrônico dançante e muito psicodélico. Outro grupo que gosto e escuto muito é o Starsailor. É só procurar lá no YouTube e ouvir", sugere, e pede para deixar o endereço de seu site (www.donovan.ie), para as pessoas visitarem e conhecerem mais sobre sua música, e também sobre meditação transcendental, é claro.LSM (Fotos Donovan, por Ana Paula Amorim)

segunda-feira, 3 de março de 2014

Sassaricando na Saara

É no popular mercado carioca que a cantora e estrela de musicais Beatriz Rabello, filha de Paulinho da Viola, se prepara para desfilar na Portela e anuncia seu primeiro CD

Semana sim, outra também, Paulinho da Viola liga para a filha Bia, para juntos irem bater perna na Saara (a Sociedade de Amigos das Adjacências da Rua da Alfândega, no Centro). “Ele me ensinou a gostar daqui, esses passeios são uma coisa muito nossa”, conta Beatriz Rabello, enquanto fuxica umas saias supercoloridas em uma lojinha no grande centro comercial a céu aberto. “Meu pai vem atrás de parafusos, coisas de marcenaria em geral, bateria de relógio... Ele coleciona um monte de coisas, adora isso. Eu gosto de fazer as bijuterias que uso, então aqui tem muita opção. Além de roupas para palco e, claro, coisas para fantasias de Carnaval.”


Na madrugada de amanhã, Bia entra na Marquês de Sapucaí com a Portela, escola do coração também de Paulinho. Mas a cabeça não sai de ‘Samba, Amor e Carnaval’, o primeiro CD que ela, que é cantora e integra a banda do pai, finaliza em estúdio para lançar este ano. Conforme o próprio título sugere, todos os sambas que Beatriz Rabello escolheu falam de amor e Carnaval.

Paulinho dá força, inclusive gravou no disco a música ‘Só o Tempo’, de sua autoria, em dueto com a filha. Mas também está preocupado, e dá puxão de orelha: “Você está trabalhando muito! Faz teatro, faz não sei quantos bailes de Carnaval, pula Carnaval na rua e ainda vai desfilar na Portela! Claro que ia acabar caindo de cama!”, adverte o paizão, sobre o febrão de 39 graus que ela teve nos últimos dias.

Bia é mesmo espoleta pura. Formada em Jornalismo, enquanto não estreia em disco, pode ser vista nos palcos no badalado musical ‘Sassaricando’, em cartaz no Theatro Net Rio, em Copacabana. Entre uma sessão e outra, encontra João Callado, produtor de seu disco. Um cara que, atesta Beatriz, dá corda para suas estripulias: “Entre inéditas e regravações, escolhi interpretar ‘Enredo do Meu Samba’, de Dona Ivone Lara e Jorge Aragão, que um produtor mais purista, daqueles defensores do samba de raiz, poderia torcer o nariz por ser mais do universo do pagode. Eu não tô nem aí... aliás, detesto esse termo ‘samba de raiz’!”, decreta.

Determinada, além dos palcos, a intrépida Bia quer bater um bolão (com o perdão do trocadilho) também nos campos. Vascaína que nem o pai (“Lá em casa, torcer pela Portela e pelo Vasco não é opção”, diverte-se ela), matriculou-se em aulas de futebol. “Me machuquei no primeiro dia!”, resigna-se, aos risos. “Mas depois do Carnaval volto a praticar! Nem sou entendida em futebol, mas sou doida para jogar. Acho que é algum trauma de infância, porque tive asma e sempre era dispensada das aulas de Educação Física.”

Aos interessados, a bela está solteira, e dá a dica: também adora dançar forró na Feira de São Cristóvão e curtir uma roda de samba no Beco do Rato ou no Trapiche Gamboa. “E amo as feijoadas na Portela!”, completa. “Nossa escola está com um samba lindo, estamos chegando para ganhar!”, promete, já com o coração apressado para entrar na Avenida. LSM (foto: Maíra Coelho) 

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Som na rua

Já faz um tempo, músicos, produtores e o próprio público vêm reclamando que o circuito de espaços para shows no Rio está diminuindo em ritmo acelerado. “Percebemos que estávamos tocando cada vez menos aqui. E sempre nos mesmos lugares, para as mesmas pessoas e ganhando pouco”, desabafa Bernar Gomma, guitarrista do grupo Beach Combers, um dos muitos que, na intenção de sanar tal problema, está partindo para as praças e calçadas da cidade. “Quando nos apresentamos na rua, conseguimos alcançar um público novo, com a vantagem de não depender de ninguém, só de nós mesmos. Chegamos no local definido, montamos o som e atacamos, simples assim”.

Beach Combers na Cinelândia 

Com as caixas dos instrumentos na frente aberta a contribuições dos passantes, nomes como Astro Venga, Tree e Dominga Petrona, além do Beach Combers, podem surgir a qualquer momento em locais como Aterro do Flamengo, Praça São Salvador, Praça General Osório, Posto 9 (da Praia de Ipanema), Praça Saens Peña, Cinelândia, Largo do Machado, Praça 15, Parque dos Patins, Rua do Lavradio, Largo da Carioca e até em cima da Pedra do Arpoador.

Astro Venga, no Largo da Carioca

“Para a alimentação dos amplificadores, usamos uma bateria comum de automóvel ligada a um inversor. Não divulgamos as apresentações de rua com antecedência pois tudo pode acontecer antes de chegarmos ao local e definitivamente montarmos o equipamento”, explica Mindu, baixista do Tree.

Por “tudo pode acontecer”, entenda-se uma chuva inesperada ou sofrerem algum tipo de repreensão (leia mais no texto ao lado). Mais que o dinheiro (“Tem dias em que se tira uma quantia razoável e outros em que só se ganha para pagar o transporte”, contabiliza Mindu), são as histórias divertidas que fazem valer a aventura. “Um cara chegou no meio do show pedindo para usar o microfone e chamar o filho dele, que havia se perdido. Como nosso som é só instrumental, não temos microfone, então encaminhamos o rapaz até a Secretaria de Postura. No final, o cara voltou e me abraçou, dizendo que iria nos dar mil reais, e fez”, comemora Guzz The Fuzz, baixista do Beach Combers.

Um dos primeiros grupos a se aventurar pelas ruas cariocas, o Dominga Petrona já fazia tais apresentações em Buenos Aires, na Argentina, onde a banda foi formada. E desde lá reúne casos pitorescos registrados nessas intervenções urbanas.

“A gente tocou perto de um escritório que pertencia ao Ministério da Cidade. Era meio-dia e, após a primeira canção, um senhor muito bem vestido e muito educado nos pediu para parar, porque estava atrapalhando uma reunião. Respondemos: ‘Por favor, deixe a reunião para outro dia e venha ouvir a banda’. O senhor entrou no prédio e, depois da segunda música, voltou, perguntando quantos discos a gente tinha para vender. Ele comprou 30 discos, mas perguntou: ‘Agora vocês param de tocar?’ Paramos, afinal, nunca mais vai acontecer de tocar só duas músicas e vender 30 discos!”, diverte-se o baixista Cristian Kiffer.

Dominga Petrona

No Posto 9, dois meninos de 10 anos emocionam tanto a plateia quanto os próprios músicos do Tree, quando se apresentam por lá.

“Eles sempre vêm tocar bateria nos intervalos do show e chamam a atenção de quem circula pelo local. É muito gratificante para nós, sobretudo porque um deles tem origem humilde e testemunhamos ali uma oportunidade de despertar um novo talento nessa criança”, comove-se Mindu.

Tree, no Posto 9

Na Praça São Salvador, os ambulantes fizeram uma vaquinha para presentear o Beach Combers. “E disseram pra voltarmos lá toda semana!”, festeja Bernar. “Volta e meia recebemos também bilhetes com diversos elogios e até com propostas indiscretas”, revela.

Secretaria de Ordem Pública diz que houve erro de agente 
De acordo com a lei municipal número 5.429, que dispõe sobre a apresentação de artistas de rua nos logradouros públicos do município do Rio de Janeiro, são permitidas as manifestações culturais de artistas em espaços públicos abertos, mas é preciso respeitar requisitos tais como volume, horários e não atrapalhar a circulação de pedestres.

No entanto, nas últimas semanas, Dominga Petrona e Tree reclamaram de repressão do poder público durante suas apresentações, no Largo do Machado e em Botafogo. Procurada pelo DIA , a Secretaria Municipal de Ordem Pública (SEOP) respondeu, através de sua assessoria de imprensa, que “houve um erro dos agentes, que já foram advertidos. Os artistas podem mostrar sua arte e até comercializar seus CDs, DVDs ou livros, a única coisa vedada a eles é cobrar ingresso”. LSM

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

‘Beijo gay na TV aberta já devia ter acontecido há muito tempo’

Vencedora do almejado prêmio Emmy — o chamado ‘Oscar da televisão’ — por sua carismática Dona Picucha do especial de fim de ano da Globo ‘Doce de Mãe’, que virou série exibida toda quinta-feira na emissora, Fernanda Montenegro fala aqui sobre a personagem e a premiação, além de passear por assuntos tão diversos quanto beijo gay, ‘Big Brother’, Copa do Mundo e a saudade do eterno parceiro, o ator e diretor Fernando Torres.

Agora é Emmy para lá, Emmy para cá... só se fala do Emmy, né? Parece até que seu sobrenome virou Fernanda ‘Emmy’ Montenegro... 
É, a vida é assim: perde-se um prêmio, mas aí depois ganha-se outro.

Você chegou a declarar, com a humildade que lhe é característica, que ganhar um Emmy ‘não muda nada’... é assim mesmo? 
Olha, claro que receber um prêmio dessa importância é algo a ser considerado por mim, sim. Entre todos os troféus que já ganhei, este é um dos mais importantes. Dá mais vontade de viver e, na medida do possível, alivia a vida, que ainda está boa.

Quando você diz “que ainda está boa”, soa algo pessimista... afinal, não podemos imaginar que a vida seja boa até o fim? 
Ah, claro. Eu realmente espero que a alquimia da vida me dê esta chance, de sentir que está bom para sempre!

O que tem da Fernanda Montenegro na personagem Picucha, essa senhorinha prafrentex? 
Se eu sou prafrentex ou ‘pratrazex’, quem convive comigo é melhor do que eu para avaliar... Mas, falando sério, acho que, de alguma maneira, sempre tem algo meu nas personagens que faço.

Para gravar ‘Doce de Mãe’, você tem ido diariamente ao Projac, em Jacarepaguá... É difícil essa rotina, de sair de Ipanema, com o trânsito que está na cidade atualmente? 
Só mesmo quem frequenta o Projac sabe o que significa esse deslocamento diário. E eu começo a gravar às 11h da manhã e só saio às 21h30 da noite, exausta.

Quando falamos em trânsito ruim, logo vem à mente o bordão ‘imagina na Copa?’ Você pretende ir a algum jogo? Já comprou seu ingresso? 
Não mesmo! Pretendo é viajar, porque as gravações acabam em março!

Notei que você, apesar de viúva, ainda usa aliança... 
Ah, mas essa aliança aqui é da personagem, a Picucha. Aprendi com a experiência que não adianta ficar usando joia quando você está atuando muito, porque tem que ficar tirando toda hora. Mas, ‘à paisana’, eu ainda uso aliança, sim, mas é só quando vou a algum evento fora do trabalho, o que é raro.

Você, que foi muito amada e amou muito, sente falta de um parceiro? 
Não, porque tenho meu parceiro ainda comigo, e vou ter para sempre. Construímos uma vida, em 60 anos juntos. Ele existe para mim em todos os momentos.

Já foi ventilada a informação de que você viverá uma homossexual na terceira idade, formando um par com a Nathalia Timberg... 
É, recebi o convite do (autor) Gilberto Braga para esse papel, mas nem tenho muito a acrescentar por enquanto, porque seria ainda para o ano que vem...

Mas qual é a sua opinião sobre o beijo gay na TV aberta? 
Nunca entendi essa demora. Já devia ter acontecido há muito tempo. No teatro, se beija muito na boca, mesmo pessoas do mesmo sexo. É um ato carinhoso, assim como poderia ser na testa ou na bochecha.

‘Doce de Mãe’ vai ao ar toda quinta-feira, depois do ‘Big Brother Brasil’... Você acompanha o reality? É uma daquelas pessoas curiosas em ‘dar uma espiadinha’? 
Olha, eu chego em casa tão cansada que nem tenho tempo... Não estou fugindo da resposta, não, é que depois de tomar banho e comer alguma coisa, o pouco tempo que me resta eu preciso assistir às notícias, ou, para relaxar, a alguma entrevista do Jô Soares ou da Marília Gabriela.

Você que já fez de tudo um pouco na TV, se fosse convidada a participar de algum tipo de reality show, toparia? 
Acredito que nunca passaria na cabeça de alguém me fazer tal convite! LSM (Foto Maíra Coelho)

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

O poeta está vivo

Ao ouvir a voz de Cazuza cantando ‘Exagerado’, purinha, sem acompanhamento algum, saindo das caixas de som de um estúdio no Jardim Botânico, todos os presentes — até mesmo os mais acostumados com tal experiência — quase deixam escorrer lágrimas.

“A força está ali: essa coisa do registro da voz do cantor é uma captura da alma, da própria essência do cara”, classifica Guto Goffi, baterista do Barão Vermelho, banda que dividiu com Cazuza nos anos 80. “Só a voz dele, sem a imagem, a emoção já vem com tudo... imagina com a imagem!”

Ele fala da aparição do ídolo, cantando cinco músicas em holografia, no ponto alto do show que amigos e parceiros do poeta do rock preparam para apresentar na Praia de Ipanema na noite deste domingo, no palco montado em frente à Rua Paul Redfern. Acompanhamos um ensaio para o ‘GVT Music — Show Cazuza’, que já passou por São Paulo no final de novembro e agora aporta no Rio, em apresentação gratuita e aberta ao público.

No estúdio, além de Guto Goffi, os chapas George Israel, Arnaldo Brandão, Leoni, Rogério Meanda e Nilo Romero discutem os últimos detalhes dos arranjos, que precisam estar supersincronizados com a gravação da voz do cantor — o badalado holograma só aparece na hora.


“Não tem uma pessoa que nunca tenha ouvido falar do Cazuza ou não conheça alguma música”, ressalta George Israel, integrante do Kid Abelha e coautor, com Cazuza e Nilo Romero, do sucesso ‘Brasil’, eternizado na voz de Gal Costa (que participa do espetáculo em Ipanema, assim como o ex-RPM Paulo Ricardo). “Nós, da banda, não vemos o holograma do palco, porque ficamos de costas para ele. Mas, em São Paulo, a cara das pessoas na plateia chorando quando ele aparece foi muito emocionante.”

Antigo parceiro de Israel no Kid Abelha, Leoni é dos poucos que conseguem dar uma espiadinha na novidade. “É que tem uma música que eu não toco, aí dá para relaxar e ficar olhando. A criação da holografia foi baseada em fotos e vídeos de arquivo dele. Eu, que conheci bem o Cazuza pessoalmente, posso garantir: é exatamente como ele se mexia, os mesmos trejeitos que fazia nos shows”, atesta o artista, que compôs ‘Exagerado’ ao lado de Cazuza e Ezequiel Neves.

Os músicos-amigos celebram ainda a oportunidade de fazer com que novas gerações possam ter uma experiência próxima da energia que havia em um show de Cazuza. “Muita gente não teve o prazer de vê-lo ao vivo. Em São Paulo, eu estava muito temeroso com a reação do público, que acabou sendo incrível. Agora para o Rio eu já relaxei, quero ir lá e tocar!”, entusiasma-se Guto Goffi.

Emoção é uma palavra que resume bem este projeto. “Fiquei com uma saudade imensa dos velhos tempos do Barão Vermelho”, derrete-se o baterista. “Esse é um projeto muito inovador, porque, quando a pessoa morre, acabou, não tem jeito de negociar. E de repente o Cazuza vai participar de um show com a gente, cantando várias músicas. Então, nesse caso, não acabou!”

E, quem sabe, depois do show, não valha dar uma passadinha no Baixo Leblon? Vai que o poeta do rock esteja por ali, como fez tantas vezes em sua vida breve, cantando e bebendo a saideira? LSM (foto: Paulo Almeida)