segunda-feira, 27 de maio de 2013

‘Eu sou o Secos & Molhados’

Dono das músicas e do conceito visual do lendário grupo, João Ricardo celebra 40 anos do primeiro disco e diz que voltaria a cantar com Ney Matogrosso 

Ney Matogrosso, rebolando e cantando com seu inconfundível timbre o provocante refrão “vira, vira, vira homem/vira, vira/ vira, vira lobisomem”, se eterniza como corpo e voz do Secos & Molhados. Porém, o cérebro do grupo de rock que, nos anos 70, bate Roberto Carlos em vendas e se torna um fenômeno musical e comportamental, é João Ricardo. Ele é o autor de praticamente todo o repertório e criador do conceito visual do trio, completado ainda por Gerson Conrad.

“Eu sou o Secos & Molhados!”, decreta João Ricardo, que revive a banda no próximo sábado, no Teatro Rival, em show que celebra os 40 anos do disco de estreia. “Sei que gostariam que voltasse a formação original, mas acho muito difícil. Não falo com mais ninguém que participou daquele disco. Mas, claro, nada é impossível. Para mim, hoje, cantar com o Ney nem seria tão difícil. Agora, tocar com o Gerson não rola mais. Ele valorizou muito sua participação no grupo, coitado. Nunca tocou bem. Fora que já somos todos muito velhos, nunca seria igual ao que esperam”, avalia.

João Ricardo ressuscitou o Secos & Molhados várias vezes, mas sem recorrer aos integrantes originais. O grupo que vem ao Rio é um duo com Daniel Iasbeck. O álbum que completa quatro décadas (também conhecido como o “disco das cabeças” e que traz na capa ainda o baterista contratado Marcelo Frias) é um clássico. Lançado em agosto de 1973, vendeu mais de 700 mil cópias na época.

“Vende bem até hoje. Graças a ele, consigo viver modestamente. Os direitos que recebo por esse disco são maiores até que o que me rende quando o próprio Ney, em carreira solo, regrava alguma das minhas músicas dos tempos do Secos & Molhados”, compara João Ricardo.

Ele aproveita para comentar sobre uma antiga polêmica. Afinal, quem surgiu primeiro com a proposta de se apresentar com os rostos maquiados: o Secos & Molhados ou o grupo norte-americano de rock Kiss?

“Para mim não importa quem surgiu antes, mas o primeiro disco do Kiss é de 1974, um ano depois do nosso, a máscara do baixista deles é igual à do Ney e a capa do disco parece uma cópia da do Secos”, provoca. LSM (fotos: Francisco Cepeda)

quinta-feira, 9 de maio de 2013

No passinho de Deborah Colker

Espevitada aos 52 anos, a coreógrafa Deborah Colker irrompe nos bastidores do Teatro Carlos Gomes aos gritos. “Em 1995, dei um esporro clássico na equipe inteira aqui nesse camarim”, recorda, às gargalhadas, ao entrar no mesmo espaço onde estreou há 18 anos o revolucionário espetáculo ‘Velox’ — que volta a ser encenado no mesmo palco, de amanhã a domingo, como parte das comemorações pelos 20 anos de sua companhia de dança. “Avisa ao público que o som vai ser porrada! Não será permitida a entrada de maiores de 40!”, ordena, brincando, à sua equipe.

Guitarras distorcidas e batidas tribais em alto volume ecoando pelos tradicionais corredores do Carlos Gomes, durante um ensaio geral do espetáculo na tarde de ontem, anunciam que a radical montagem promete impactar tanto quanto nos anos 90. “Foi a partir dela que imprimi minha assinatura. Mudei o foco da dança quando perguntei: ‘Por que o palco tem que ser horizontal? Aí resolvi fazer um palco vertical”, conta, sobre o surgimento do emblemático paredão de alpinismo com 6,6 metros de altura que é a marca principal de ‘Velox’.


Apenas nessas três apresentações, Deborah, única remanescente da formação original do espetáculo, estará dançando no palco para celebrar o aniversário de seu grupo. “Só não dá mais para escalar a parede, eu já sou avó”, dispara, sempre rindo muito.

A turnê comemorativa também vai contar com reencenações de ‘’ (2005), de 16 a 19 de maio, na Cidade das Artes, na Barra da Tijuca; e ‘Tatyana’ (2011), de 3 a 19 de outubro, no Teatro João Caetano, no Centro. Outro ponto alto em sua trajetória, o espetáculo ‘Ovo’, criado por ela para a badalada trupe canadense Cirque du Soleil, no entanto, segue inédito no Brasil. “No momento, eles estão apresentando ‘Ovo’ na Austrália, mas um passarinho me contou que eles chegam ao Brasil em 2015”, arrisca.

E Deborah Colker já tem planos para começar os próximos 20 anos. “Estou preparando o espetáculo ‘Belle de Jour’ para 2014. Considero minhas montagens ‘Nó’, ‘Cruel’ e ‘Tatyana’ uma trilogia. Este novo será um passo adiante, e vai discursar sobre o amor, o desejo e a razão”, antecipa. “O panorama da dança mudou demais nessas duas décadas. Era um deserto quando comecei. Tinha só o Grupo Corpo e a Quasar. Hoje, está tudo muito mais difundido, e até o passinho, do funk, tem sua importância para popularizar a dança. Mas, até hoje, ninguém faz espetáculo de dança contemporânea no Brasil como eu!”, decreta.


A celebração pelos 20 anos da Companhia de Dança Deborah Colker engloba ainda dois livros. Um, escrito por Francisco Bosco e repleto de fotos, tem lançamento previsto para outubro. O outro, sem data marcada para sair, é uma espécie de diário de bordo da coreógrafa. “Este segundo vai ser um livro mais acadêmico, teórico, sobre como desenvolvi minha técnica, como formo bailarinos. O do Bosco será um livro de arte, com fotos tiradas pelo meu irmão, Flavio Colker”, detalha ela. LSM (Fotos André Luiz Mello)

terça-feira, 7 de maio de 2013

40 anos de melodia

Luiz Melodia quase deixa escorrer uma lágrima ao rever um exemplar em LP (o bom e velho vinil) de seu primeiro disco, ‘Pérola Negra’, de 1973. “Rapaz... tem o encarte também?”, pergunta, já manuseando a relíquia. “Devo ter um desses em algum lugar aqui de casa, mas sem o encarte... acho que não vejo esse encarte desde o lançamento, há 40 anos”, conta o cantor e compositor. “Olha a foto! Acho que tinha 19 anos aí. Nunca pensei em ser artista. Eu era apenas um garoto que fazia e tocava umas músicas. Queria mesmo era ser jogador de futebol. Meu sonho era jogar no Maracanã”, recorda, modesto, o autor de clássicos como ‘Estácio, Eu e Você’, ‘Estácio, Holly Estácio’, ‘Vale Quanto Pesa’ e a própria ‘Pérola Negra’, todos de sua antológica estreia.

Convidamos o músico para reescutar o álbum, que acaba de ser relançado em CD, devidamente remasterizado e com resgate da arte e créditos originais, embalado na caixa ‘Três Tons’ junto de outros dois discos seus, ‘Felino’, de 1983, e ‘Pintando o Sete’, de 1991. “Há anos não escuto o ‘Pérola Negra’ inteiro”, entusiasma-se (confira como foi a audição abaixo). “Só que vamos ter que ouvir o CD, infelizmente minha vitrola está sem agulha”, desculpa-se, exibindo, orgulhoso, também um toca-fitas funcionando e uma vasta coleção de fitas-cassete.


Com o tempo, ‘Pérola Negra’ ganhou o status de clássico. Na época, porém, um negro do Morro de São Carlos, no bairro do Estácio, ter lançado um disco que não era exclusivamente de samba lhe custou um bocado de narizes torcidos dos bambas veteranos.

“Os puristas me execraram. Não estavam prontos para aquela mistura de ritmos. Tem tudo ali: jazz, blues, rock, choro e também samba”, ressalta. “Minha família não tinha dinheiro para comprar televisão. Eu ouvia todos esses ritmos em um radinho de pilha, que era a única coisa que meu pai podia comprar”.

As coisas começaram a mudar quando Gal Costa gravou, em 1971, a música ‘Pérola Negra’. “Comecei a aparecer nos jornais. Os caras lá do morro não entenderam nada quando as equipes de reportagem começaram a bater na minha porta. Os vizinhos ficaram enlouquecidos”, conta.

Quarenta anos depois, Melodia ainda olha para trás e se admira com sua criação mais famosa. “Sempre pedem as canções desse disco nos meus shows. Às vezes brinco, dizendo que não aguento mais cantá-las, mas é pura onda. Eu adoro!”, garante. “Só fico p... da vida porque outros discos meus também muito bons não são tão badalados quanto esse. Mas fico feliz que ‘Pérola Negra’, com certeza, continuará sendo ouvido com o mesmo entusiasmo daqui a 40 anos”, prevê.

CAPA TRAZ FOTO EM FERRO-VELHO DE COPACABANA
Além da riqueza musical do disco ‘Pérola Negra’, sua capa merece um capítulo à parte: uma foto de Luiz Melodia dentro de uma banheira segurando um globo terrestre sobre grãos de feijão. “Foi ideia minha. Sugeri o feijão para representar a fome. A foto foi feita em Copacabana, em um lugar que era um misto de ferro-velho e que vendia também diversas coisas antigas, na Rua Figueiredo de Magalhães”, lembra.

A contracapa traz um mosaico de diversas outras fotos, muitas feitas na mesma ocasião. “Tem eu sentado em um vaso sanitário, que tinha lá. Tem foto minha abraçado com a Suzana de Moraes, filha do Vinicius. A gente morava junto, mas não era namorico, não. Depois de um tempo li uma entrevista dela onde falava que namoraria comigo. Pô... e na época não me falou nada...”, diverte-se Melodia. “Também tem várias fotos da galera lá do Morro de São Carlos, o pessoal da favela. Hoje todos estão com filhos, muitos nem estão vivos. Toda vez que vejo essas fotos fico sensibilizado”.

O QUE VEM POR AÍ 
Depois de revisitar o passado, Luiz Melodia antecipa os lançamentos futuros. “Tenho oito canções novinhas que faço questão de gravar e lançar em CD junto de outras que estão começadas e que vou terminar”, detalha. “Vou chamar a Céu para cantar comigo em uma das faixas, para retribuir o carinho que ela teve quando fez uma música especialmente para gravar comigo. Outra das canções terá a participação do meu filho Mahal, que é rapper. Vamos fazer um hip hop. Nós já gravamos juntos uma vez, a música ‘Lorena’, no meu disco ‘Retrato do Artista Quando Coisa’, e quero repetir a experiência. O Mahal faz um hip hop diferente do que se faz por aí. Ele tem uma canetada maravilhosa”, elogia, referindo-se aos versos que o filho cria.

Melodia faz questão de apresentar em primeira mão sua gravação mais recente. Não algo de sua autoria, mas a faixa ‘Como Igual’, do integrante do Titãs Sérgio Britto. O destino é o disco solo que Britto está preparando. O refrão fala de “um lugar onde todos se veem como iguais/Porque só os iguais podem ser diferentes”. Para a surpresa do próprio Melodia, o roqueiro não lhe apresentou uma pauleira típica de seu grupo. “É uma bossa nova. Não esperava isso dele”, surpreende-se. LSM (fotos André Luiz Mello)

FAIXA A FAIXA 
Estácio, eu e você
O disco começa com este choro, com acompanhamento do Regional de Canhoto e a flauta de Altamiro Carrilho. “Essa versão remasterizada está ótima. Sempre achei o violão e o cavaquinho muito baixos na gravação original”.

Vale quanto pesa
Nesta, Melodia mistura marcha e mambo. “O Barão Vermelho fez uma bela regravação dessa música, que a aproximou de uma nova geração. Mas não acho que as pessoas devem buscar conhecer a obra de um artista somente quando ele é regravado. O ideal é pesquisar”.

Estácio, holly Estácio
Destaque nessa faixa para a gaita de Rildo Hora. “Essa é uma das minhas músicas que mais pedem até hoje”

Pra aquietar
Um rockão cheio de guitarras. Melodia explica o significado do verso ‘Não posso pra lá paraguaio para/Menino de cá faço o tempo parar’. “A letra original, que nem lembro mais como era, foi censurada. Achavam que tinha alguma intenção política. Era horrível quando mexiam assim na sua obra. Troquei na hora de gravar por palavras aleatórias”.

Abundantemente morte
Um blues. “Um arranjo simples, só com guitarra e violão, de Perônio Albuquerque. Ele gostava muito desse meu lado de blues e jazz. Tive a felicidade de ter alguns ótimos músicos nesse disco”

Pérola Negra
A faixa-título foi gravada, dois anos antes, por Gal Costa em seu clássico disco ‘Fa-Tal’. “Fiz inspirado por uma menina com quem eu saía quando tinha uns 18 anos. Mas eu era o segundo cara. Quando o namorado dela chegava, eu tinha que sair correndo pelos fundos”.

Magrelinha
Uma bela balada blues. “Outra inspirada pela antiga paixão”.

Farrapo humano
Nesta destaca-se a guitarra de Renato Piau. “Foi quando o conheci. Até hoje ele é meu braço direito nos palcos”.

Objeto H
Um rhythm and blues. “Muito dessas influências eu ouvia na casa de um tio, o Zezinho, que tinha uma vitrola bonita, igual a um móvel. Lembro que tinha muita coisa de Nat King Cole, minha mãe também adorava”

Forró de janeiro
Com a participação do lendário artista experimental Daminhão Experiença. “Ele era meu amigo, morava no Estácio e já gostava de fazer seus experimentos. Tocava um violão de duas cordas e fizemos shows juntos. Esta foi a primeira aparição dele em disco”.

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Baú remixado

Quando Vivi Seixas embala um discurso geração-saúde, contando que acorda cedo, gosta de praticar esportes, já foi remadora e hoje luta boxe, quase não dá para acreditar que ela é filha de Raul Seixas (1945-1989), o roqueiro maluco beleza que ganhou fama de doidão.

“Acham que sou muito louca, mas não é nada disso”, descarta ela. “Até já tive minha fase doida, mas hoje eu malho pra caramba. Não consigo trabalhar virada, por exemplo”.

Vivi é DJ e, ainda mais surpreendente, não toca rock, como o pai: se dedica à música eletrônica e acaba de lançar o CD ‘Geração da Luz’, no qual coloca batidas de pista em pérolas do Raul, como ‘Metamorfose Ambulante’ e ‘Mosca Na Sopa’. “Muitos fãs dele estão elogiando, mas outros reclamam, porque eu não toco rock. Me ofendem, chamam de oportunista”, desabafa.

Apesar das diferenças, a língua afiada de Vivi Seixas parece ser a mesma do pai. “Tenho raiva do Jesus Luz. Ele tinha tudo para dar certo, mas primeiro tem que aprender a tocar. Eu sou DJ mesmo, toco com vinil”, dispara.

Ela também reclama de coisas que não curtiu no filme ‘Raul — O Início, o Fim e o Meio’, de Walter Carvalho. “Ele entrevistou muita gente nada a ver, como o Pedro Bial, e senti falta de pessoas importantes, como o Jerry Adriani. E rolou muita fofoquinha das ex-mulheres, como se ele fosse um garanhão, coisa que ele não era”, garante Vivi, ressaltando ainda outros pontos que considera serem impressões equivocadas sobre Raul Seixas. “Ele e o Paulo Coelho nunca foram amigos, eles eram apenas parceiros. E meu pai detestava maconha”.

Mas ela não tem apenas críticas ao longa. “Tem muitas imagens inéditas ali que eu nunca tinha visto antes. O melhor do filme, para mim, foi ter proporcionado a aproximação com a minha irmã Simone, filha da primeira mulher do meu pai, Edith Wisner”, comemora.

Vivi, 31 anos, é filha de Kika Seixas e a caçula de Raul. A relação com a outra irmã, Scarlet, filha de Gloria Vaquer, não é bem resolvida até hoje, o que embaça muitos projetos envolvendo o patriarca. São três filhas e três mães para se entenderem. “Esse meu CD já está pronto há quatro anos e foi vetado pela Scarlet. A Gloria fez a cabeça dela. Depois, acabaram liberando”, conta.

Olhando para o passado, Vivi reúne lembranças carinhosas da infância com Raul Seixas. “A gente caçava formigas com pinça. Ele era muito divertido: criou um personagem chamado Capitão Garfo, que escondia minhas bonecas no congelador. Quando minha mãe acordava, tinha várias bonecas congeladas na geladeira”, recorda. LSM (Foto Nathan Thrall)