quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Samuel Rosa: 'O rock já foi mais consistente'

Às vezes não é preciso a mordomia de encontrar os mineiros do Skank pessoalmente em Belo Horizonte. Um papo sincero e inspirado por telefone com Samuel Rosa pode ser mais revelador que o monotemático assunto ‘lançamento do DVD ao vivo no Mineirão’. A bordo de mais um projeto revisionista, o vocalista de cabelo à laBeatles atesta que sua onda continua sendo a retrô, das guitarras que usa à visão sobre o rumo do rock brasileiro, e dispara ainda contra o que considera mau uso de novas tecnologias.

“Isso de ficarem rifando a intimidade no Twitter, publicando coisas como ‘agora vou fazer cocô’, dando uma intimidade que não interessa a ninguém, para mim isso é doença”, classifica Samuel Rosa, que não tem perfil pessoal no microblog.

O cantor e compositor mostra munição também ao comparar os novos tempos com o passado. “O Brasil inteiro cantava Cazuza, ou Raimundos anos depois, do flanelinha ao profissional liberal. Não vejo esse rock colorido ocupar o mesmo segmento dos Titãs, nos anos 80, ou do Jota Quest nos 90, por exemplo", analisa, referindo-se a grupos como Restart. "O público deles, se chega aos 17 anos, já está velho. O momento atual não é favorável para o rock. A produção de música jovem já foi mais consistente e teve mais espaço”, avalia Samuel Rosa, com a propriedade de quem acumula sucessos suficientes para fazer uns três shows diferentes, sem repetir música.

Enfático em suas impressões, o cantor ainda se diverte — mas quase desconversa — ao explicar o nome do grupo, homônimo da poderosa maconha produzida em laboratório, mais apropriado ao flerte com a música jamaicana do início da carreira: “Skank é um ritmo. Não passou pela nossa cabeça essa ligação, vinha da levada do reggae”, garante. Ah, tá.

Falcão foi barrado no Mineirão
O DVD ‘Multishow ao Vivo — Skank no Mineirão’ teve um desfalque. Falcão, do grupo O Rappa, não foi gentilmente cedido por sua gravadora, a Warner, e não entrou em campo com o Skank, da Sony. “Ficaram bolados porque participei do DVD do Ultramen sem avisar”, lamentou Falcão, que cantaria ‘Jack Tequila’ e ‘Baixada News’.

“Pensei ainda em ‘Garota Nacional’, que ele toca com sua outra banda, Loucomotivos. A galera ia pirar”, conta Rosa.

Depois de destacar Minas Gerais nos DVDs em Ouro Preto (2001) e neste no Mineirão, que próxima paisagem vai emoldurar os acordes do Skank? “Minas tem muito para ser visto. Imagino algo nas montanhas, com cachoeiras, ou um show off-road”, vislumbra o cantor. LSM

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

O criador do hino do Rock In Rio

Quem canta a plenos pulmões o entusiástico refrão “Que a vida começasse agora...” desde seu lançamento, no Rock in Rio de 1985, até hoje — embalado pela nova versão com diversos artistas — pode até imaginar que se trata de uma canção de domínio público, tanto que melodia e letra estão impressas em nosso inconsciente. O mesmo vale para o tema que imortalizou as vitórias de Ayrton Senna na Fórmula 1. Mas as duas músicas emblemáticas têm dono, sim. É um cara meio misterioso e que prefere evitar os holofotes.

“Os artistas gostam de se apresentar em público, já eu morro de vergonha. Me sinto mais à vontade em estúdio”, revela o maestro, arranjador e instrumentista Eduardo Souto Neto, autor de ‘Rock In Rio’ (com letra de Nelson Wellington) e ‘Tema da Vitória’.

Relaxado no estúdio onde trabalha compondo jingles, em uma cobertura em Copacabana, Souto Neto avalia a nova gravação, que anuncia a próxima edição do festival no Rio, daqui a exatamente um ano. Sob sua direção musical, Evandro Mesquita, Frejat, Sandra de Sá, Ivete Sangalo, Toni Garrido, Ed Motta e Pitty, entre diversos outros, soltaram a voz para cantar “ô ô ô ô, Rock In Rio”.

“Me emocionou e surpreendeu. Pena que, por problemas de agenda, não deu para o Samuel Rosa e a Maria Gadú participarem. O (Rogério) Flausino, do Jota Quest, falou que esperou 25 anos para gravar essa música”, recorda.

Todos os envolvidos na releitura demonstram tal reverência. “Canto isso desde moleque. Se não soubesse cantar essa, não saberia mais nenhuma”, brinca Marcelo D2. Dinho Ouro-Preto, do Capital Inicial, faz coro: “A música é trilha de muitas aventuras, de casais que se conheceram, que terminaram. As pessoas lembram onde estavam quando a escutaram pela primeira vez”.

O professor de idiomas Nelson Wellington garante que vislumbrou algo grandioso logo que recebeu a missão de traduzir a ideia do festival em letra. “Na hora senti uma vibração especial. Nesta nova versão, reunindo várias gerações, ficou tipo ‘We Are The World’, do Michael Jackson”, exagera.

Na versão original, o crédito do intérprete é de Eduardo Souto Neto, mas a canção foi gravada também por integrantes do Roupa Nova. “E quem cantou foi um cara de quem nunca mais ouvi falar, que se intitulava Verme”, entrega.

Filho e neto de músicos, o maestro gosta de dizer que nasceu embaixo do piano. Seguro ao escolher seus bemóis e sustenidos, ele só balança na hora de apontar qual é a mais marcante entre suas duas maiores criações: “São músicas que não perderam a validade”. LSM

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

O herdeiro

Filho de Cássia Eller, Chicão se joga na música como percussionista do grupo Zarapatéu

(Fotos: Alessandro Costa)

Chegou a hora de aprender com o “pequeno grande coração” de Chicão, do jeito que sua mãe vislumbrou na música ‘1º de Julho’. Desde que Maria Eugênia, companheira de Cássia Eller, ganhou sua guarda, após a morte da cantora, em 2001, pouco se ouviu falar da trajetória do garoto. Aos 16 anos, Francisco Ribeiro Eller descobre o mundo junto de um punhado de amigos-músicos e investe na mesma profissão da mãe e do pai (o baixista Tavinho Fialho, que morreu em acidente de carro pouco antes de o filho nascer).

Fomos encontrar Chicão munido de pandeiro, triângulo, alfaia e microfone. Ele responde pela percussão e vocal no grupo Zarapatéu, que se apresentou no último fim de semana na Lona Cultural Herbert Vianna, no complexo de favelas da Maré. No camarim, pouco antes de entrar no palco, ele deu a primeira entrevista da sua vida e contou que a opção pela carreira musical seria feita mesmo se a mãe não fosse Cássia Eller. “Acho que é algo que vem no sangue, mas meu interesse aconteceu mais pelo acesso à música que ela me proporcionou, através da grande coleção de CDs e vinis que eu herdei, do que pelo fato de ela ser cantora”, define.

Em início de carreira, os integrantes do Zarapatéu só querem é tocar e não estão nem aí se, em princípio, ganharem involuntariamente a alcunha de ‘a banda do filho da Cássia Eller’. “Não queremos ser celebridades, queremos que o foco seja a música”, decreta o supertímido Chicão, usando sempre o plural para falar sobre o grupo e não ser o alvo das atenções.

Alunos no colégio Centro Educacional Anísio Teixeira (Ceat), em Santa Teresa, onde também estudam música, os colegas estão sempre juntos. Gostam de escutar Chico Buarque, Jorge Ben Jor e Luiz Melodia e sair pela cidade. “A gente vai à Lapa, curtimos ver shows no Circo Voador e nosso bar preferido é o Simplesmente, em Santa Teresa”, revela Chicão, que mora no Cosme Velho.

Desfilando sua vasta cabeleira à la ‘black power’ e perambulando pelo palco todo o tempo descalço e sem camisa, o jovem percussionista mostra que tem estilo. Sua primeira professora de canto, Isadora Medella, do grupo As Chicas, atesta que ele traz no DNA o talento da mãe. “Ele ainda nem sabe, mas é um músico superafinado e tem um ouvido maravilhoso”, avalia.

A mistura sonora do Zarapatéu
Além de Chicão, o Zarapatéu é formado por Artur Sinapse (bateria), Bernardo de Carvalho (clarinete), Bruna Araújo (voz), Daniel Batalha (guitarra), Lucas Videla (percussão e vocal), Marina Chuva (percussão e vocal) e Pedro Moragas (baixo). O nome é uma corruptela do prato sarapatel, típico da culinária de Pernambuco e do Ceará, feito com tripas e outras vísceras de porco. “Nosso som é isso mesmo, uma mistura de tudo o que a gente gosta”, explica Sinapse.

No repertório, tocam ‘Mas Que Nada’ (Jorge Ben Jor) e ‘Roda Viva’ (Chico Buarque). Entraram em estúdio recentemente para gravar duas músicas, que podem ser conferidas em www.myspace.com/zarapateu. “A gente é muito ligado em sons regionais”, conta Marina. Os ensaios são todo fim de semana, na casa de Moragas, em Laranjeiras, sob protestos da vizinha idosa, Dona Madalena. “Todos os shows são dedicados a ela”, diverte-se o baixista.

Bruna não compareceu à Maré. A mãe, a cantora Emanuelle Araújo, do grupo Moinho, ficou com medo da filha se apresentar na ‘Faixa de Gaza’. O show teve um aspecto especial para Chicão. “Essa barreira tem que acabar. Um bando de caras da Zona Sul estar aqui hoje é irado. Se eu não for músico, quero fazer Ciências Sociais e ser antropólogo”, diz. LSM