quinta-feira, 17 de abril de 2014

Um lugar para o choro

“Isso aqui está ficando bonito pra caramba”, alegra-se a cavaquinista e compositora Luciana Rabello, ao entrar no casarão de três andares no número 38 da Rua da Carioca, no Centro. “A gente chega em Buenos Aires e tem lá um lugar para se conhecer o tango. Em Nova Orleans, tem espaços contando tudo sobre o jazz. E eu estou sempre pagando mico quando meus amigos do exterior vêm ao Rio e perguntam: ‘Onde rola um lance de choro aí?’ Eu tenho que responder que só se for lá em casa.”

Era para falar de seu novo CD ‘Candeia Branca’, mas a mulher do legendário letrista Paulo César Pinheiro — com quem é casada há 29 anos — não se conteve em adiantar os detalhes do Instituto Casa do Choro, misto de museu, teatro e escola sobre o gênero musical que defende com unhas, dentes e coração.


“É um sonho antigo se realizando. Desde 2001, procuro um local na cidade para preservar a memória do choro, que é a mais antiga forma de música popular brasileira, até que em 2009, conseguimos a cessão do prédio pelo Governo do Estado. Só agora as obras estão em fase de finalização”, entusiasma-se Luciana. “A expectativa é terminar em maio. Acho que vamos funcionar em fase experimental inicialmente, porque daí vem a Copa do Mundo no mês seguinte, e a ideia é realizar um grande evento de inauguração em julho. Meu desejo é fechar a Rua da Carioca para um show em um domingo, mas ainda não consegui as autorizações para isso. Se não der, quero montar um palcão no Largo da Carioca.”


A Casa do Choro vai abrigar os cursos mais avançados da Escola Portátil de Música (EPM), idealizada por Luciana em 2000 para se ensinar o ritmo e que funciona na Unirio, na Urca, sendo inclusive curso de extensão da faculdade de Música — a EPM tem até filial internacional, em Roterdã, na Holanda, levada para lá há dois anos por um violonista holandês que veio ao Rio aprender cavaquinho com ela e pirou com o choro.

Luciana Rabello pilota ainda a gravadora Acari, que lança títulos dedicados ao choro, claro, incluindo seu novo CD. “A Acari é muito procurada por gente de fora. Vendemos principalmente para o Japão e Europa”, orgulha-se a empreendedora. “Entre minhas vontades de realizar pela Acari , sonho lançar um disco solo do Cristóvão Bastos tocando exclusivamente o repertório de Ernesto Nazareth, mas acho que ele não iria se animar”, deixa a dica ao amigo pianista.

Curiosamente, seu ‘Candeia Branca’ não é um disco de choro. “O choro é a base de muitos gêneros musicais, como os que gravei: samba, ciranda, maculelê, valsa, baião...”, lista ela.

Neste disco, ela, que é virtuosa cavaquinista, abre espaço pela primeira vez para seu lado cantora, em parcerias inéditas com Paulo César Pinheiro. “O choro é basicamente uma música instrumental. É um gênero que não se presta muito ao canto, é feito mesmo para os instrumentos. Existem choros cantados, e não tenho preconceito, mas acho que fica esquisito”, explica. “Mas nem adianta me mandar fita com músicas para eu cantar em um próximo disco, porque não quero me lançar como cantora!”, descarta.

O que Luciana Rabello quer é seguir em sua missão de preservação da memória do choro. “Não sei se vou conseguir salvar o choro, mas que eu boto uma pilha, ah, eu boto mesmo!”, decreta.

E não venha chamar o choro de ‘chorinho’ em sua presença: “Quando você ouve a complexidade dessa música, entende que não procede chamá-la pelo diminutivo. Eu sei que, às vezes, é até uma forma carinhosa de se referir, mas soa pejorativo. A única pessoa que falava chorinho e ficava bem era o Pixinguinha... Mas ele era o cara, né?” LSM (fotos Maíra Coelho)

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