
“Meu pai teve experiências ruins com drogas. Quando fumou maconha, deu uma larica (a fome causada pelo uso da erva) e, se você for pobre sem ter o que comer, não é uma combinação muito boa!”, diverte-se.
Morando na capital da Inglaterra desde 2005, logo depois da morte do pai, Ulisses Bezerra, 39 anos, lança na internet ‘2000 e Nem Sei’ pela Far Out Records, gravadora britânica especializada em artistas brasileiros, como Banda Black Rio, Joyce, Azimuth, Leila Pinheiro e Dori Caymmi.
“Meu pai falava que eu era um rockeiro-sambista, com base no samba e o punho no rock. Acho até que foi isso que me levou ao meu estilo musical de hoje, o samba-rock”, define Ulisses, que se lembra de quando Bezerra foi entrevistado por João Gordo e disse para ele: “Você tem o visual igual ao do meu filho. Ele tem uma banda de rock chamada Filhos do Papa e anda todo rasgado.” “Ele era sambista, mas respeitava todos os estilos e sempre apoiou o que eu fazia”, diz.

Antes de Londres, Ulisses morou nos Estados Unidos. “Fui em uma turnê com meu pai, em 1994, e, quando acabou, fui para Boston, convidado por um amigo pra tocar em uma banda de samba. Nesse período, resolvi ir estudar na escola de música Berklee, onde fiz grandes amizades. Voltei para o Brasil em 2002 e fiquei tocando com meu pai, até que ele morreu, em 2005. Foi quando eu resolvi ir para Londres”, relembra. “Sempre que olho para o Brasil, vejo uma desigualdade muito forte e, por isso, eu não consigo ficar no país por muito tempo. Nasci no subúrbio do Rio, no Jacarezinho, uma região cheia de problemas, com muitas injustiças. Em Londres, a música brasileira é muito respeitada.”
Foi o pai quem encaminhou Ulisses na música. “Quando eu tinha 6 anos, ele me deu um violão. Com 15, me colocou na escola de piano clássico, e sempre me levava em seus shows para tocar percussão na banda. Hoje, toco piano, violão, guitarra e instrumentos de percussão em geral, como surdo, tamborim, repenique, atabaque e berimbau”, enumera. “Meu pai sempre me tratou com muito carinho. Quando se apresentava em favelas, eu ia junto, e, assim que chegávamos, era festa de tiroteio para o alto. Ele sempre me mostrou os vários tipos de situações que aconteciam por lá e me falava: ‘Tá vendo ali? Malandro não cagueta’. Muitas dessas comunidades estavam em guerra e sempre que tinha show dele a guerra parava para o evento. Todos os morros e comunidades tinham por ele muito respeito”, orgulha-se.
E não foi só a musicalidade para tocar vários instrumentos que Ulisses herdou do pai famoso. “Também peguei muita experiência de palco, além de vivenciar o lado B da sociedade brasileira, que muitos de classe média não conhecem. Antes do Bezerra, não existia o samba de malandro, um estilo que ele criou com compositores das favelas do Rio. Hoje, faz falta no Brasil um artista original e com aquele discurso crítico, como foi meu pai. Depois dele, não surgiu mais ninguém com o mesmo estilo ou mesmo parecido”, decreta. LSM