Qual a relação de sua música com o pensamento pensamento científico, tema do evento no qual você se apresenta?
Egberto Gismonti: Imagino que esteja distante do pensamento científico. Eu mexo com música, elemento ou coisa que não permite medidas exatas. O sujeito pode estar próximo da música e não estar próximo ao equilíbrio de massas sonoras, que representa o equilíbrio entre os naipes de qualquer orquestra. Para estar inspirado no pensamento científico, eu precisaria desaprender muita coisa até alcançar um patamar de admissão que ainda está muito distante de mim.
São novas canções, especialmente para a ocasião?
Egberto Gismonti: Eu faço uma música só que vai sendo esticada desde o início. Já está com o tamanho de mais de 60 discos, um monte de filmes, balés, peças teatrais... Hoje, preparei um show especial para a ocasião.
Algumas daquelas que chamam de 'clássicos' de sua carreira, como 'Loro', 'Palhaço' ou 'Frevo', estão cogitadas para a apresentação?
Egberto Gismonti: Não, não estão cogitadas.
Qual seu interesse sobre o universo científico? Lembro que artistas, como o Gilberto Gil, por exemplo, fizeram canções inspiradas pelo tema.
Egberto Gismonti: Meu interesse é pelo desconhecido, é pela questão, pela dúvida, pelo desconhecimento. Desta forma, meu interesse pelo universo científico é tão grande que ainda não o percebo de forma evidente. Não sei onde ou como a música se encontra com a ciência me inspirando. Aliás, acho que inspiração é um patamar pouco comum no meu cotidiano. Durante muito tempo confundi excitação com inspiração. Agora que esses parâmetros ficaram um pouco mais claros, retomei o papel e a caneta para escrever música. É preciso ser rápido na escrita de uma ideia que aparece pronta ou quase. Computador ainda é lento quando a inspiração/excitação/descarrego/necessidade ou qualquer qualificação que tenhamos para a anotação da expressão de uma ideia filtrada pelo filtro de maior conhecimento pessoal. Quando a música orquestrada aparece na audição, anoto rápido, tento segui-la com códigos de escrita que fazem parte da linguagem que aprendi, rabisco, ponho setas pra lá e pra cá, pronto... a ideia está anotada. Em seguida, 'ligo' o departamento intelectual e coloco o estudo à serviço da tradução do que 'ouvi'. Depois disso, música ouvida, escrita, traduzida com cara de partitura, aí sim, passo para o meu editor preferido instalado em computador. De qualquer forma seria lindo se as ideias musicais pudessem ser anotadas com mais velocidade para garantir veracidade.
Você desfruta de reconhecimento tanto no meio do jazz quanto no erudito - e até do pop (por que não?), já que há muitas canções, cantadas, e flerte com o rock progressivo... O que acha disso, de flutuar com tanto crédito por tantos meios?
Egberto Gismonti: A música é benevolente e eu a reverencio todos os dias. Ela me ensina diariamente que sou um instrumento dela. Por vezes precisei ler muito para estar mais próximo dela; outras vezes, fui para o mato viver entre os índios, para a Índia, para Austrália conhecer os tocadores de didjeridu, sempre a música me levando, mostrando, norteando. A impressão que tenho é que ela vive intensamente no Brasil.
Recentemente, Buenos Aires foi tomada por cartazes anunciando uma apresentação sua... como é sua carreira e reconhecimento por lá? E em quais outros países da América Latina você tem tal destaque?
Egberto Gismonti: Como dizem alguns dos meus amigos, viajar e tocar 22 vezes em um país significa receber/estabelecer o 'usucapião' da amizade e respeito. Uruguai, Chile e Panamá são países que frequento bastante. Cuba está me dando tantos amigos que já estive lá, sempre pra tocar ou gravar, umas oito vezes nos últimos 10 anos.
Como vê o cenário da música popular brasileira atualmente? O que vem despertando sua atenção?
Egberto Gismonti: Continuo recebendo cerca de 10 CDs ou demos por mês. Escuto e respondo detalhadamente cada faixa. Muitas coisas despertam a atenção, sobretudo pelo fato de estar sentado em casa, receber os CDs por correio. Dou preferência ao formato tradicional por uma questão de exclusividade. Tenho um compromisso comigo mesmo de ouvir e comentar mais ou menos 10 CDs por mês. Essa ação entre amigos abre portas para que eu entenda o Brasil de uma maneira menos regional e mais abrangente.
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